terça-feira, 27 de novembro de 2007

Ponto de vigia...


Recordações...


Todos os dias, com a mesma força que sentia da tua
presença, deixava que o mar me tomasse.
Primeiro apenas um vestígio, um mero salpico que ficava em pequenas esferas presas no que sentia serem pêlos dos braços, pele do rosto e comissuras de lábios.
Era então que fechava os olhos e que te saboreava. Língua a passar lentamente pelo lábio superior, recolhendo memórias dos teus sabores.
Mas eram apenas isso; memórias.
Há coisas que vivem em nós com a força da verdade sendo apenas ideias e lembranças vagas.
Sensações que só existem nos nossos interiores imensos.
Senti a pouco o mar encharcando os pés e eras tu que me agarravas pelos tornozelos e me puxavas para ti, enquanto me ia enterrando mais e mais na areia à medida que novamente e em ondas mansas, me lambias nos teus fluxos e refluxos.
Senti-te no sol que me mordia.
Como sempre morderas, olhos escondidos e felinos atrás do vidro escuro dos óculos de sol, emboscando o olhar assaltante e desejoso.
Por um instante, num breve relampejo de tempo, senti-te dentro de mim. Calores e aromas do teu poema em fêmea.
Relevos e saliências em perfeita união com o meu corpo...

Abri o peito em som num breve cântico à minha união com a natureza.
Uma nota apenas que me fez estremecer no puro gozo de existir.
Só um grito curto a prolongar-se no ecoar nas rochas que estavam por trás de mim, misturando-se em sinfonia com o coro quase rotineiro da terra e mar em negociação permanente...


Inspirei num sorvo profundo todo o mar e dei um pequeno

passo para me equilibrar.

Depois abri os olhos e regressei ao meu ponto de vigia.

Abri as asas e voei para o alto do mastro onde te observava na

praia desde o dia em dera por mim renascido em gaivota...



Charlie

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

A ilha...


Pisei, olhando para a distância, a orla de areia que o mar lacrimejava.
Senti os pés húmidos e escutei o borbulhar suave da breve espuma que escorria entre a multidão de seres minúsculos que habitam o universo infindo das partículas de areia.
Aqui e ali, podia adivinhá-los a esconderem-se rapidamente e para sempre em segurança até que viesse a próxima vaga.
A Lua estendia o seu eterno mar de prata com o que inundava as praias das almas
que sabem pertencer-lhe.
Eu sei que há pessoas que são pertença dela!
Sinto-as meus iguais quando estão junto a mim.
Todo o meu corpo fica presa das ondas que emanam dos seus mares.
Não preciso que digam nada.
Que me olhem, ou que sorriam.
Basta existirem próximo de mim
Sinto-lhes o bater do coração dentro do meu peito, e faz-se me um nó na
garganta
Sim porque eu sou um ser da Lua...

Achei uma ilha!
A minha ilha fica mesmo ali quando a sua Mãe sai parida do mar, subindo aos
poucos no céu.
Nunca repararam?
Hão de ver nos dias em que já próximo da Lua Cheia surge do nada rente ao horizonte.
Se olharem com um pouco de atenção verão no colo da Mãe, num suave embalo, o
perfil das palmeiras e coqueiros, encimando um peito de mulher.
É a minha ilha!
Quis sempre visita-la. Penetro no mar e nado para ela até ficar sem forças.
Deixo afogar-me.
Já estive quase a chegar lá e guardo na minha boca o sabor das águas que
banham os seus lábios...
Acordo sempre com os pés a pisar a areia e dou com a Lua já alta.
É sempre ela que me salva e me põe de volta neste areal imenso. A perder de
vista...
Este areal sem fim antes não existia.
Era uma extensão de rochas onde eu era uma fortaleza inabalável.
Depois....
Depois descobri a ilha rente à lua ás portas do horizonte e chorei a
distância em mares e oceanos.
Agora tudo secou e dos meus olhos só saem grãos de saudades duma ilha onde
nunca estive...

Sentei-me um pouco a pensar em tudo e chorei um castelo de areia.
Uma onda veio e puxou-a para dentro de si.
Para o mar das lágrimas para onde escorrem os castelos das saudades...

Charlie


sábado, 22 de setembro de 2007

Folha de Diário dum Viajante


Estive agora mesmo sondando a infinita linha que separa o mar dos céus. Ali nesse ponto do convés onde a proa perfura o horizonte em investidas sucessivas e espalha os seus avanços em espumas a desfazer-se nos salpicos de lábios que o sol tem vindo a salgar no decurso de toda uma vida de mar.

Durante um instante fechei os olhos e revi-me na alegria das ilhas encontradas, na miséria e solidão dos naufrágios, no desespero da viagem perdida e no alívio final do resgate. Muitas vezes a nado, numa fuga suicida para a frente, a caminho do abismo que todos sabemos existir onde o mar acaba.

E passei todas as vezes por esse portal, por onde apenas se passa uma vez, que não tem retorno e que termina na vertigem da queda miserável onde morro e renasço em voo no grito da gaivota de céu que me acorda novamente da sesta, já a bordo de novo navio...

Agora, sentado à mesa de caneta na mão, saboreio o amargo duma bebida forte que detesto e faço uma careta de desagrado.
- Porque é que temos esta incontornável sina fazer as coisas erradas mesmo sabendo o amargo que nos deixam? Porquê este precisar de querer sempre de engolir todo o mar?
-Não nos basta com o sabe-lo salgado... -

Aborrece-me este mar chão e calmo. Quero a revolta das suas ondas ansiosas por desfazer o meu corpo, os seus ventos a rasgar as velas, a aflição de sentir nas tábuas a ranger e mastros a vergar, toda a tempestade que é a minha alma feita da teia de cordames e fogos fátuos de ilhas flutuantes avistadas nas reverberações cálidas do ar.

Já avistei muitas dessas ilhas, quase todos os homens do mar as avistaram, alguns sem nunca terem visto o mar, outros apenas mar e nunca as ilhas. Nenhum homem jamais lhes pisou o solo por mais ilhas onde tenha naufragado, iludidos com a sua descoberta.

São ilhas afortunadas, que se soltam dos fundos, entram nos sonhos e se desfazem em lágrimas e mar quando acordamos.

A minha sina é procurá-las e avistá-las sem as encontrar, numa viagem que passa, possui-las não possuindo e escutá-las não escutando, ser eterno viajante ansioso por nunca encontrar mais do que a Pessoana procura...


Que voz vem no som das ondas
Que não é a voz do mar?
É a voz de alguém que nos fala,
Mas que, se escutarmos, cala,
Por ter havido escutar.

E só se, meio dormindo,
Sem saber de ouvir ouvimos,
Que ela nos diz a esperança
A que, como uma criança
Dormente, a dormir sorrimos.

São ilhas afortunadas,
São terras sem ter lugar,
Onde o Rei mora esperando.
Mas, se vamos despertando,
Cala a voz, e há só o mar.

Fernando Pessoa


..Pouso a caneta e volto ao convés de copo na mão.
A viagem continua....


Charlie

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Carta de descoberta.


Descobri esta carta nos recantos de mim.
Sempre desejei escrevê-la e guardara este ensejo para o dia em que me apaixonasse verdadeiramente.
Sentia os anos passar.
A loucura dos meus anseios íntimos a transformar-se a pouco e pouco de ribeiro irrequieto em lago descansando na mansidão da rotina, sem que nunca tivesse experimentado a vertigem da queda de água em cascatas loucas de paixão e carregadas de biliões de sois capturados nos infinitos arco-iris que as gotas suspensas na leveza do amor inventam.

Mordi os lábios tanta vez olhando para a lua cheia, lendo os Poetas e perguntando-me:

- Onde estás tu paixão, que se me foge a vida e não te vivo. Serão estes poemas apenas devaneios loucos ou será que alguém conseguiu sobreviver alguma vez prenhe destas loucuras?-

Arrumava os poemas entre o pó dos amores frouxos de tempos idos.
Amarelos de tão esquecidos, e seguía com as perguntas-respostas que eu próprio criava:

  • Poderá um cego de nascença alguma vez descrever as cores? Seguir em mente as fluorescências do sol esvoaçados nos caprichos duma borboleta?
    Ou imaginar a profundidade infinita dum céu povoado de milhões de estrelas?
    Saberá ele, em resumo imaginar sequer o que é a escuridão?
    Ele que sempre a conheceu nem poderá jamais descrevê-la, para isso teria de sentir a ausência da luz, a angustia da sua falta. Ver todo o mundo desaparecer no negro breu, mas para que isso acontecesse teria de ter sentido primeiro o calor da luz no seu olhar... –


Depois, sem que o esperasse e vindo do nada surgiste tu, e eu nasci.
O céu abriu-se em ferida à tua passagem pela minha vida.
Senti como a paixão faz doer. Como a luz intensa cega a quem nunca viu.
Descobri a profundidade do espaço infinito e vazio nos minutos em que não estás.
Sei agora que toda a verdade chorada pelos os poetas fica aquém do que um peito sente.
Que amar é sim e só perdidamente.
Que só ao sangrar se vê o peso do sentimento.
Inspirei.
Abri a alma e descobri-te junto à esta carta.
Afinal estiveras sempre aí.
No fundo de mim junto a ela...


Charlie

Fevereiro 09, 2006

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Intervalo para divulgar o "Prémio Blogue 5 Estrelas."

Sem que isto seja uma carta, de Nada pra mim veio esta iniciativa que me foi entregue por esta simpatia e passando o testemunho divulgo as minhas escolhas e o restante que segue.


"1. Podem participar na votação todos os bloggers que mantenham blogs ativos há mais de um mês [os outros esperem por outra ideia brilhante que alguém irá ter].
2. Cada blogger deverá referenciar cinco nomes de blogs. A cada menção corresponde um 1 voto.
3. Cada blogger só poderá votar uma vez, e deverá publicar as suas menções no seu blog [da forma que melhor desejar], enviando-as posteriormente para o seguinte e-mail: elzinhalinda@gmail.com. No e-mail, além da sua escolha, deverão indicar o link para o post onde postaram as nomeações. A data limite para a publicação e envio das votações é dia: 27/08/2007.
4. De forma a reduzir alguns constrangimentos [e desplantes], e evitar algumas cortesias desnecessárias, também são considerados votos nulos:- Os votos dos blogger(s) em si próprio(s) ou no(s) blogue(s) em que participa(m);- Os votos no blog Nada pra mim.
5. Cada blog que for indicado ou indicar, deve conter de onde veio a origem do concurso, ou seja deverão manter um link para este blog afim de que outras pessoas possam conhecer a idealizadora da idéia.No dia 31.8.2007 serão anunciados os vencedores."
(Origem em Nada pra mim )



E os meus indicados são:

1 - http://www.estudioraposa.com/
2 - http://www.aliciante.eu/aliciante/?redirect=weblog
3 - http://pracadarepublica.weblog.com.pt/
4 - p://www.fotosdanadir.blogspot.com/
5 - http://eroticidades.blogspot.com/

Parabéns e boa sorte

Carlos.

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Seguem as CARTAS SEM VALOR

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quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Teria escrito uma carta.

Teria escrito uma carta se tivesse sabido de que maneira

o poderia ter feito.

Não sabia ao certo como tinha ido parar ali. Não me lembrava de ter memórias antigas e sem saber porquê, todo o conhecimento de mim próprio cabia em poucas horas. Muito vagamente umas leves impressões de como olhara para o Sol a pôr-se antes do anoitecer que agora terminava. Umas deambulações por aqui e por ali meio perdido, e depois, sem ter noção precisa, o aparecimento naquele espaço onde agora me encontrava, e onde descansara sem saber em que sítio exacto, deixando-me envolver pelo manto suave do cansaço após ter fixado o meu olhar na beleza daquele ser que estava ali. Deitada à minha frente...

Os primeiros raios a ameaçar rebentar o horizonte, ao entrar pelos rasgos da persiana, fizeram-me despertar e inspirar fundo o puro gozo de existir.
Estava dono duma leveza inebriante, ultrapassando os limites dum corpo que nem sentia, e todo o espaço me cabia num gesto.

Olhei para um lado e para outro, mudei de posição sempre com ela na mira. Era linda, toda suavidade e maciez, um hino à feminilidade despertando todos os quereres. Atrevi a aproximar-me levemente do seu ombro, tocá-lo e saborear o suave aroma que a sua pele exalava, mas hesitei no último instante. Não sabia como ela iria reagir ao meu afago, ao meu toque, e agora que estava tão próximo dela, todo o desejo avivava, fazendo crescer a agua na boca, mas no último instante resolvi adiar por momentos o encontro com o meu desejo. Senti o calor do seu corpo e de como ela nesse mesmo momento, ao mover-se na cama, despertara do seu sono.
Afastei-me devagar de forma discreta sem que tivesse dado pela minha presença. Ali para o fundo do quarto onde fiquei olhando para ela que entretanto se levantara.
Mesmo sentindo que não tinha corpo escondi-me atrás das franjas do cortinado que estava aberto, expondo as nesgas da persiana por onde o ar fresco entrava, enquanto seguia como ela deambulava pelo quarto e expunha toda a sua nudez apetitosa aos meus instintos e apetites. As curvas do corpo, o brilhar dos olhos, o convite dos lábios húmidos, o mundo dos aromas que me chegavam aos sentidos.

Saiu e voltou depois duns minutos exalando vapores e aromas novos, adocicados. O cabelo molhado que ela massajou com uma toalha e que sujeitou depois à disciplina dum pente. Vestiu um roupão e foi para outro compartimento.
Resolvi segui-la. Agora era uma cozinha. Cheiros muito diversos enchiam-na por completo e olhando melhor para ela via agora como expunha uma orelha por entre a suave nuvem de cheiros que saíam do seu cabelo ainda húmido. Abriu uma porta e tirou um recipiente. Encostou-o à boca e de olhos fechados deleitou-se lenta e gostosamente. Foi então que me aproximei do ouvido exposto por entre a sinfonia de tons reflectidos vagamente pelo sol a nascer e que através da janela incendiavam o cabelo em doces chamas e nuanças. Cheguei-me lentamente a ela, cada vez mais próximo, até ficar a um mero nada de dar-lhe um beijo, de passear-me por ela e saborear a beleza do seu corpo....

Assustei-me pois repentinamente ela pareceu ter dado pela minha presença, rodando a cabeça com os olhos a seguir vagamente onde eu poderia estar. Não sei como ela deu por mim, pois nem eu próprio tenho noção de ocupar espaço algum.
Escondido por trás dum armário vi como ela mexeu num botão na parede.
Um milagre tomou repentinamente forma. Toda uma alegria se instalou de forma inesperada naquele recinto. Tudo ficou inundado duma luz intensa e bela. Uma verdadeira maravilha, um paraíso para os sentidos sob aquele apelo irrecusável de beleza e excelência. Todo o espaço ficou recheado dum jogo extraordinário de efeitos de cor e brilhos irreais, verdadeiros prodígios para o sentido da visão.
- Que maravilha! -pensei. Por um instante esqueci-me dela e com toda a luz no olhar desloquei-me atraído pela dança que se espalhava pelo recinto da cozinha. Por todo o lado a luz me inebriava e atraia, mas ali, num ponto que de repente descobrira, tudo era mais belo e apelativo, toda uma grandiosa sinfonia de luz a correr em nascente me chamava e dava-me corpo.
Quase que me tinha esquecido da mulher que agora parecia estar a ver-me. Levado pela minha alegria passei novamente junto a ela, e enquanto me deslocava na direcção da fonte em cascata de todo aquele fantástico apelo, olhei-a maravilhado nos olhos. Sorria-me e eu sorri para ela um mero instante antes de sentir todo o meu ser atravessado por uma forte vibração ao mesmo tempo que toda a luz se incendiava para me deixar depois mergulhado na completa escuridão sem que tivesse mais noção do meu existir...

Cá em baixo, com o pacote de leite encostado aos lábios, ela bebia a satisfação da vitória rápida sobre a incómoda mosca que desde a manhã a perseguira...

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Carta dum recém chegado.

Olá.
Escrevo-vos para dizer que cheguei.
Mal pus os olhos na rua larga cheia de sol, de casas quase todas de um ou dois pisos, com árvores ainda pequenas ladeadas de suportes e flores e onde algumas pessoas passeavam olhando para as montras, soube que este era o meu destino final.
Respiro bem fundo os aromas deste sítio e por um instante fecho os olhos.
Quero ter bem gravado na retina esta imagem para sempre e descobri-la sempre nova ao abrir do olhar.
Estou cá já há três dias.
Desta vez não farei como das outras anteriores!
Nos diferentes lugares onde vivi, percorri os sorrisos de todas as travessas, todas as ruas e largos.
Parei nos cafés e praças.
Conheci as pessoas uma a uma.
Apaixonei-me pelas pernas e olhos das mulheres e os seus corpos em sabores de silêncio e lençóis.
Bebi com os seus pais, irmãos, maridos e namorados.
Ouvi as histórias de uns e de outros. Tomei partido pelas misérias escondidas que os separavam e enterrei todo encanto das ruas largas dos dias das descobertas nas vielas mal cheirosas, tortuosas e escuras, que me haviam escapado nesses primeiros tempos.
Saí sempre enjoado e desencantado. Embrenhado nas desavenças, desavindo com muitos que me haviam devolvido os sorrisos da chegada, e desejando nunca te-los encontrado.
Agora, desta vez, tudo será diferente; tudo será sempre o esplendor do primeiro dia!
Jamais sairei desta rua principal.
Não quero saber se é uma cidade ou vila, aldeia ou um sonho. Nem sei bem onde estou, mas não irei espreitar no mapa os limites dos seus segredos.
De todos os rostos que se cruzarem com o meu, nem um só traço irei decorar.
Darei os bons dias às senhoras e voltar-me ei para mirar-lhes as pernas sem ter fixado um só pormenor dos seus sorrisos.
Não irei entrar nos cafés a perguntar pelas novidades nem darei o meu nome a ninguém.
Desta vez serei só o sol a passear-se em brilhos pela calçada a quem ninguém faz perguntas.
Desta vez serei só eu e o meu encanto.
Desta vez bastar-me á fechar os olhos neste quarto que tomei na pensão, limpa e de esplendores nas floreiras das janelas, cujo nome fiz por nem olhar e pertencente a uma mulher linda que se chama Luisa e que é divorciada.
Tem um filho ainda menor e o seu ex-marido é um sacana que quer vender a pensão para ficar com metade do dinheiro.
Ela já falou com o advogado do escritório ao fundo da rua principal, mas de quem está desconfiada estar feito com o seu ex.
O ex acusa-a de ter um namorado, um que tem um café mesmo ao meio da rua, mas ela diz que é livre de relacionar-se com quem quiser.
Esta manhã quando ia a descer, vi uma mulher mais velha a chama-la de puta e a insultá-la de andar a querer a desgraça do filho que precisa do dinheiro da venda da pensão para refazer a vida e que ainda antes que o tribunal decida, ela mesmo lhe tratará da saúde.
Calou-se quando me viu e saiu à pressa.
Dei os bons dias e saí para a luz do dia enquanto, já na rua, ainda ouvi o miúdo a perguntar à mãe o porquê da avó andar aos gritos...

sábado, 23 de junho de 2007

Carta dentro duma garrafa.

De novo...
Voltou a acontecer.
Sem que eu tivesse feito nada para que isso sucedesse, pelo contrário, - evitando os meus pensamentos na hora de deitar-me - tudo se repetiu uma vez mais.
Incessantemente e de maneira constante, noite após noite, de forma contínua e ligada em episódios.
Tenho este sonho sempre igual há tantos anos que já nem me lembro bem do primeiro dia em que comecei a sonhá-lo.
Sonho que estou só.
Completamente só numa ilha que também seria solitária se não fosse ter sido eu a naufragar ao largo dela, na ocasião em que começaram os meus pesadelos, e ser assim o seu único habitante.
Durante o dia estou bem, nas minhas tarefas diárias, junto aos meus amigos e à mulher que amo com a mesma paixão e entrega há mais de trinta anos. Mas mal fecho os olhos eis que desperto nesta ilha onde me encontro agora a escrever-vos.
Na manhã - cuja data não me recordo - em que sonhei ter naufragado, íamos todos juntos atravessando o Pacífico no iate que eu tinha nessa altura.
Lembro-me de tal forma de tudo o que aconteceu neste meu sonho como se tivesse sonhado hoje.
Tinha estado com ela na proa olhando para esta ilha que agora os meus sonhos aprisionaram. Beijávamo-nos e o sabor da sua pele sabia-me ao sal do mar que eu amo desde criança e que agora é o meu carcereiro. Passei-lhe as mãos pelos cabelos, dedos a deslizar suavemente, descendo pelas ondas do nosso querer. Naveguei língua e boca pelo seu pescoço e saboreei o mar ainda mais intensamente. Abraçámo-nos e senti-a toda mulher encostada a mim. Depois descemos para a cabine enquanto eles se riam com os seus copos de Martini nas mãos e falavam uns com os outros. Disse para tomarem conta do leme e que se aproximassem com cuidado da ilha.
Depois..
Só me lembro da sua nudez e corpo quente, tão desejoso quanto o meu e o tremendo encontrão que dei com a cabeça quando o barco encalhou numa enorme pedra submersa e se partiu em dois.
Dei acordo de mim já na areia recheada de destroços e dos corpos de dois dos meus amigos e da minha mulher.
Sepultei-os a pouca distância da praia e visito-os todos os dias.
Meu Deus! Cada vez que relembro esta parte do meu primeiro pesadelo fico numa tremenda angústia pese embora a distância imensa levada no tempo.
Depois vem a rotina neste sonho sempre igual. Acrescento mais um traço; mais um dia, numa tábua dos destroços com que fiz a cabana. Dou voltas pela ilha solitária, colho frutos, pesco qualquer coisa, ponho umas flores nas campas e subo à nascente mais para o interior para encher uma vasilha com água.
Já tenho falado à minha mulher no tormento que à noite me assola. Ela ri-se com o mesmo sorriso que não envelheceu nem um dia decorridos que são mais de três décadas. Bem ao contrário do que se passa neste sonho em que tudo ganhou o cinzento de trinta e muitos anos aos quais quase perdi o conto, apesar das marcas diárias com que colecciono os dias passados.
O meu cabelo está enorme, tenho umas barbas até à cintura, estou desdentado e extremamente magro, e vi bem o meu mísero estado, de rugas profundas e roupas em farrapos, quando me pus a reparar na figura reflectida na superfície da água da vasilha.
Estou velho, tenho envelhecido dia após dia dentro deste pesadelo que vivo intensamente e que não me larga.
Depois o cansaço do sonho vence-me e acordo com júbilo longe desta ilha, junto ao seu corpo de mulher entrelaçado com o meu sob os mesmos lençóis.
Fazemos amor, damos duche juntos e vejo ao espelho como estou jovem...
Ai como gostaria que me libertassem desta prisão que me agarra mal os meus olhos se fecham. Por isso escrevo esta carta. Vou encerrá-la dentro desta garrafa e atirá-la ao oceano..
Que bons ventos e marés a levem onde outros sonhos me façam noutro sonho despertar...

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Carta dum moribundo…

Carta deixada aqui por Charlie


Escrevo estas linhas com a absoluta sensação de estar a viver os últimos instantes do sopro vital que o Criador insuflou nestes restos eternos que a Mãe Terra há-de absorver e transformar em outras formas de vida no seio do seu generoso e quente ventre materno.
Ah, como me dói todo o corpo!
Não é uma dor localizada em lado algum; é antes o esvair lento do meu interior a espalhar-se pelo espaço, ferindo todos os poros à medida que vai rompendo a fina barreira de mim mesmo e diluindo-se em nada, nos nadas de que são feitos os indefinidos e infinitos mundos etéreos dos espíritos.

Está cá um destes frios!...
Sinto os arrepios a vir dentro de mim, do interior mais profundo e insondável desde onde a alma alimenta a seiva dos ossos…
Ai se soubessem como me custa a respirar…….
Mas vou devagar. Ainda tenho que acabar estas linhas e sinto-me fraco.
Lembro-me como já passei por situações semelhantes, em que todo o meu corpo se ria da torpeza da senhora da foice vestida de negro. Ri-me quando me levaram para o Hospital, a esvair-me em sangue depois de ter sido atingido por uma bala quase à queima-roupa. Mas todo o meu corpo oferecia vida e sangue! E ri-me da ferida grave com a mesma leveza com que mergulhava nos corpos das putas uma e outra vez sem vacilar, em orgias desregradas, sem que alguma vez o meu corpo se sentisse e me traísse dos exageros. Agora é diferente, mas nessa altura?!... Todo eu era tesão à flor da pele e fontanário de vida e sangue inesgotáveis.
Voltou a acontecer mais tarde, voltei a ver a senhora da foice noutras rixas e acidentes, e o escarnecer típico e arrogante da imortalidade juvenil sobrepôs-se sempre ao tétrico da sua presença.

Depois conheci-te. Sem esperar, numa altura em que eu, sentado debaixo da macieira, observando o sol em declínio a preparar o poiso no horizonte, descansava o corpo de guerreiro e a guerra se passava em mim na queda contínua das cascatas de ideias.
Lembro-me das flores que te ofereci…
- Um dia ofereces-me flores? – Perguntastes-me uma vez em tom de desejo, e eu
respondi-te com o brilho do fogo na alma, que te daria um jardim.
Enchi-te o gabinete de flores. Lembras-te? Eram às dezenas e dezenas de ramos e arranjos de todas as espécies. De tal forma exagerada que deixou de haver lugar para mais nada. Eu fui sempre assim. Enchi-te a vida de tal maneira, que ficaste sem espaço para ti mesma. Telefonaste-me num rir nervoso, um misto de ternura e desconforto:
- Não existes! - Disseras. Hehehe....

Rio-me e tusso num esgar. Sinto-me a acabar, ai....
A seguir, morreste. Assim de repente. Num piscar de olhos quando me deixei afrouxar num momento fugaz do meu cansaço. Depois da praia nos ter servido de toalha onde comíamos o mar em garfadas de sol e saliva. Depois das horas passados juntos nos terem sabido apenas a minutos. Do último beijo do - Até já, - ter o sabor intenso ao sal da Saudade de séculos. Morreste sem que nunca mais te tivesse visto. A morte dói mais quando nos brinda com a ausência dum corpo a quem possamos abraçar na despedida.
Ainda te procurei meses a fio, esquecendo que eras apenas um fantasma, o lado de lá dum céu sem luar. Um mero rasgão de dor que fica quando nos roubam uma jóia e no seu lugar fica um buraco no peito.
Agora que me sinto finar, nem me dói mais a perda. Sei que para onde vou, não existem memórias e que renascerei livre de mim e do peso que arrasto.

Toc-toc-toc....
Batem à porta. Nem preciso de perguntar quem aí vem. Sei que é ela, a senhora da foice, de negro vestida. A porta range ao de leve e uma estranha luz invade muito docemente o meu quarto de homem só. O vulto de quem escarneci tanta vez pára junto aos pés da cama. Estou calmo, muito calmo e miro-a com a visão turva e semicerrada duma grande sensação de paz.
Lentamente afasta o capuz que lhe esconde o rosto e a pouco e pouco um tremor intenso toma-me o corpo à medida que se vai descobrindo. Depois, com os olhos tomados de espanto olho e volto a olhar para querer acreditar no que não quero crer. Docemente a mão estica-se na minha direcção e caio na verdade quando a voz que diz: - Vem - é a mesma que em tempos me dissera a rir que eu não existia quando lhe enchera a vida de flores...

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Aquela tarde de Sábado...


Segunda-feira, Julho 24, 2006


Estava uma tarde de calor, dessas que apetecem quando os corpos fartos de Inverno se dão ao que ainda não é o castigo em que o sol se torna quando chega o pino do estio.
Estacionei o carro no parque do lado de lá da linha, quase sob a imensa estrutura de ferro que transforma os dois lados do rio num só e faz, das várias antigas povoações antes separadas pelo rio e pela História, uma só e imensa cidade.
Quem se aventura pelas docas de Alcântara em pleno dia sabe que não encontra o mundo que a noite se encarrega de inventar, mas nós, abraçados e com mais sol nos olhos que luz havia à beira rio, pouco nos importámos com isso. Todo o nosso envolvimento enchia o ar de magia e cor. Incendiávamos os néons e os sorrisos dos que de passagem nos miravam. Beijámo-nos com doçura e encanto enquanto sentíamos os nossos corpos a fundir-se no mesmo querer, no mesmo gozo de estarmos juntos, no mesmo desejo de parar o tempo para sempre na maré cheia deste mar em rio que era nosso.
- Gosto tanto de ti... - repetimos um para o outro, e rimos de seguida.
Fomos comer uma coisita qualquer, ligeira, umas saladas frias, sentados frente a frente de olhos nos olhos, vivendo um momento intenso que só os seres apaixonados sabem saborear. De mãos nas mãos rindo dos pequenos nadas que são tão importantes como as palavras: - Amo-te - que repetíamos a toda a hora, aumentando o brilho dos nossos olhos cada vez que o afirmávamos. Contámos pequenas coisas, segredos, que após tanto tempo de relacionamento, continuam a chegar aos nossos cais das descobertas onde descobrimos, em cada volta descoberta e confidenciada, que nos amamos mais e mais, numa viagem que só agora as nossas naus encetaram.
Levantámo-nos para passear um pouco. Abraçados pela cintura enquanto umas gotículas de suor se iam formando entre nós, a colar-nos e a selar os nossos corpos, tal como uma hora antes, esse suor tinha sido o mar onde navegáramos as almas em tempestade e entrega e onde seláramos com amor intenso um instante no infinito da eternidade.
Demos connosco já sob a sombra da imensa estrutura metálica, à beirinha, onde a terra-mulher se abre à penetração do mar quando a maré está de subida para, horas depois, ser o mar a receber no orgasmo, construído a dois, a torrente de água doce em espumas, Tágides em volúpias, num rio subitamente penetrante no mar-mulher imenso que se lhe abre.
Abraçámo-nos sentindo toda a força da natureza a tomar conta da nossa união, dos corpos em desejo e mergulhámos de olhos fechados no oceano que os nossos lábios davam ao mundo. Disse-lhe umas palavras quase sussurradas ao ouvido, quentes e íntimas, enquanto nos apertávamos mais e mais, ela mar e eu rio, eu tempestade em crescente e ela abrigo em fogo.
Riu-se sem abrir os olhos:
- Gosto da tua voz no meu ouvido e na minha vida...-
- A minha voz não existe, amor. A minha voz és tu quando respiras...-
Fez-se um pequeno silêncio e depois ela agarrou-se bem a mim e disse:
- Vamos... apetece-me fazer amor...-

Somos do mesmo mar

Terça-feira, Agosto 15, 2006

Somos do mesmo mar...

Olhei junto a ela para a vastidão da distância que cabia toda num olhar.
As almas unidas num só gozo nesse maravilhoso poema de sermos as asas que por cima de nós criavam as pontes abertas para o infinito.
Até onde a vista alcançava, fundindo-se no horizonte que abria a porta do mais além, inventávamos o Mundo. Com as cores dos nossos sorrisos, iluminado com o brilho que o sol tomava emprestado aos olhos, os teus e os meus, e com os sons das ondas que estalavam nos picos das cristas em línguas e lábios.

- Sabes que gosto cada dia mais de ti, meu amor? – Riu-se e encostou o corpo mais a mim, os cabelos negros junto à minha face que eu afagava em beijos suaves. Senti-lhe o sexo, desejoso e macio, e as formas e aromas do seu corpo de mulher a inebriar-me os sentidos. Meu Deus como eu a amo! Saibam que nunca amei um ser humano com a intensidade e querer com que me entrego a ela, com a vontade infinita de possui-la uma e outra vez, sem cansaço, sem espera. Com uma dedicação completa e desejo de mais e mais amor que me surpreenderiam não fora a sensação única de ter descoberto naquela mulher a minha predestinação como homem. Enquanto nos encostávamos bem um ao outro num mesmo abraço firme perdidos na enorme imensidão do amor, num só desejo de nunca mais sermos encontrados, deixava o espírito voar pela paisagem infinita que do cimo da falésia conquistava todo o universo.
Tenho uma relação com o mar que me vem nos genes. Nasci junto ao mar, e foi o mar o meu primeiro contacto com o infinito e com o sonho.
Lembro-me da primeira impressão que estreou o álbum interior das minhas lembranças duradouras. Há factores que nos ficam na memória com uma força tremenda. Foi o que decorreu dum acontecimento numa manhã, era eu então ainda criança de meses.
Pus-me de pé pela primeira vez na cama e pela janela aberta, descobri a imensidão do mar. Estive, sei lá quanto tempo, fitando o azul-turquesa transparente desses mares quentes do sul que se diluíam na distância em tons progressivamente mais carregados e que recortavam depois, numa linha fina, a clareza novamente azul em luz do céu.
Não guardo memórias de sons, de rostos, de cheiros ou gostos dessa idade. Nem me lembro, dessa altura da vida, sequer muito nitidamente do rosto da minha mãe, nem de coisas que aconteceram antes ou depois. Só me lembro desse mar imenso que trago na minha alma desde então e que fez de mim um solitário a navegar na vida procurando a outra alma que estivesse navegando sob a profundeza do mesmo olhar...
Olhei para ela e disse-lhe isso mesmo. Os nossos olhares gémeos, a emoção do infinito sonho lavado em espuma e azul. Beijámo-nos ternamente no alto da falésia, num pico do Mundo. Depois peguei-a ao colo e ela pôs-me os braços à volta do pescoço.
- O meu pai era marinheiro…- Segredou-me ao ouvido enquanto os sons da sua voz se misturavam com o vento de sabor a sal na sinfonia das cordas e velâmes que os fios dos seus cabelos infinitavam.
Encostámo-nos bem um ao outro, num abraço sem fim, de olhos fechados e abertos para o interior, para a mesma alma, para o mesmo desejo.
Mergulhámos no mar alto e amámo-nos toda a tarde, uma e outra vez na viagem deste veleiro sem fim rumo à Eternidade. Com a força com que o mar se entrega em orgasmos infindos contra os rochedos, onda após onda, maré após maré, num naufrágio contínuo, num eterno renascer…


sábado, 19 de maio de 2007

Carta dum canalha

Domingo, Julho 16, 2006

carta aqui deixada por charlie

Sou um canalha.Sim!
Na verdadeira acepção da palavra.
Um homem sem escrúpulos.
Uso o mesmo sorriso para pagar um café ou para vigarizar um tanso qualquer.
Na verdade, toda a minha vida foi passada a endrominar meio mundo.
Podem perguntar se sou rico.
Não me considero rico, isto é; neste mundo há homens muito mais ricos que eu.
Para dizer tudo como realmente é, e como sinto, precisava mesmo de dar um tremendo golpe para me sentir exultante e realizado.
Não me dá já qualquer satisfação seduzir e fazer com que uma mulher se me entregue.
Que me dê de mão beijada o seu coração, o seu corpo os seus pertences e a sua alma.
Deixo-a no acto continuo e isso não me pesa nem um grama na minha consciência. Depois de ter o que pretendo só posso seguir em frente, senhor dos meus intentos, rumo ao infinito da satisfação seguinte.
Casos houve em que nem para a cama fui, desaparecendo sem deixar rasto após ter o que queria. Na verdade, só o pensar nas suas lágrimas me dava uma sensação próxima do orgasmo. O saber-lhes em angústia esperando por mim, presas entre a dúvida e a sensação de terem sido enganadas, dava-me um gozo tremendo.
Sou assim, mas sou mais:Sei muito bem o que é falsificar assinaturas, alterar as quantias nos cheques e vender por bom preço acções sem valor. Já vendi propriedades que não me pertenciam e também vendi o mesmo lote de terreno a uma dúzia de pessoas.
Sei o que é conseguir apropriar-se dum Banco sem ter dinheiro. Sei o que é levar à ruína inúmeros accionistas e empresários que confiaram em mim. Mordo os lábios de satisfação e gozo puro só imaginar-lhes as mãos a afagar a arma que depois encostam à cabeça.
Acima de tudo sei o sabor único que existe na saliva do predador que sou e que me prezo de ser: - O sabor a sangue! -
Mas tudo isso, como já disse antes, não me diz nada neste exacto momento. À custa de tanto repetir as mesmas acções, elas perderam o impacto e o frenesim com que me costumavam prender e excitar.
As mulheres há muito que deixaram de ser minhas vítimas. Não por falta de desejo, mas por serem alvos demasiadamente fáceis.
Vender terrenos e acções, enganar gerentes bancários e tudo mais... já nada disso me move. Preciso mesmo de algo intenso e que seja o corolário da minha carreira de canalha. Uma coisa em que possa empenhar todo o meu ser, aplicar o supremo dos meus expedientes, vencer as barreiras interiores e fazer com que todos se me entreguem.
Algo em que tenha à minha frente toda uma multidão crente, em êxtase total e pendurada das minhas palavras. Uma sessão única onde sinta ter todas aquelas almas presas das minhas lágrimas, escorregando deliciadas e sofridas em cada palavra chorada e levadas ao meu bel-prazer pelos meandros tortuosos da minha sedução.
Agora que vivi todos estes anos.
Que já experimentei tudo o que há para experimentar, e onde nada me resta descobrir no campo onde sou Mestre, só vejo uma saída.
Vou candidatar-me a um cargo político....
Sei que irão votar em mim...

Charlie.

Todo o mar num conta-gotas

Terça-feira, Junho 20, 2006

carta aqui deixada por charlie

Descobri-lhe a pouco e pouco os ritmos do corpo, os sons que a faziam estremecer, os pequenos gestos, quase nadas, de onde nasciam os novos mundos que ela me devolvia acrescentados de paisagens em permanente mutação.
Sempre virgens.
Novas sensações que ela sabia acabadas de nascer do mais profundo de mim, e onde ela se sabia raínha e senhora.



















Fizemos amor.
Todo o amor do mundo.
Todo o amor que me transbordava da alma e que nunca encontrara destino; meros fantasmas nos apogeus dos orgasmos e gozo.
Depois, já em descanso ficámos deitados olhando com deleite a nossa nudez, as nossas coisas que assumiam aos nossos dedos o papel de pequenas brincadeiras:
- "...Tens aqui um sinal meu anjo...e tu. O que é isto? "...-
Beijámo-nos de olhos fechados sentindo novamente todo o corpo em efervescência.
E passámos as nossas línguas pelos recantos secretos onde as almas espreitam ao cimo da pele.
E rimo-nos...
Rimo-nos como se quiséssemos esquecer as lágrimas amargas que choraríamos na hora da despedida e nas semanas de ausência que se seguiriam.
Mas nesse instante, nesse mesmo instante em que nos entregávamos, todo o mundo acabava, todo o tempo ficava suspenso até ao momento em que um ponteiro aziago nos lembrava que o mundo não espera pelos que se atrevem a desafiar e permanecer nos reinos dos Deuses....

Charlie

Declaração de Amor.

Segunda-feira, Maio 08, 2006

carta aqui deixada por charlie

Esta carta que te escrevo, é a carta que sempre existiu na minha alma.
Pronta a sair no dia em que te encontrasse numa encruzilhada da vida, em que o destino nos pusesse a pisar o mesmo trilho.
Como aconteceu agora, sem anunciar, sem esperar.
Foste sempre a outra metada da minha alma, que eu via sem rosto quando te procurei em vão, perdido nas tempestades das intensidades íntimas, vageando de velas em farrapos, afundando-me em naufrágios, na ilusão dos corpos de que já não me lembro, e que me deixavam vazio, sem te encontrar e sem mais saber de mim.
Depois, surgiste...Assim de surpresa, no meio dumas entrelinhas, como nesgas de sol que nos surpreendem o rosto por entre as folhagens espessas que nos roubam a esperança do azul, mas que eu inventava e reinventava em letras negras da cor do sangue.
Fez-se luz!
Fizemos acontecer o milagre e tocámo-nos.
Olhámo-nos nos olhos, mergulhámos nos nossos mares, e nesse mesmo instante soube que seria teu para sempre.
Nesse exacto momento entre duas brilhantes estrelas que eu bebi do teu rosto num beijo, entraste-me na alma e disseste:- Sou tua..-
Selámos o nosso amor com o sal dos nossos olhos, com o gosto dos nossos lábios e com o calor dos nossos corpos.
Se escrevo estas linhas agora e não antes, não é para que saibas que te amo, nem para me rearfirmares o teu amor. Isso sentimos os dois desde o primeiro instante.
Todos os poetas cantaram o amor, mas só quem o sente e o vive lhe entende o sentido, lhe sabe a dor com que o fogo corta o peito, o doce da entrega e o amargo que castiga as almas com as ausências.
Estas linhas simples são apenas um grito ao mundo, para que ele desperte e durante uma breve paragem do tempo se dê conta que existimos.Um anúncio do nosso amor!Para que o sol espere apenas um pouco antes de entrar no mar sem fim e ilumine com fogo os areais da nossa ilha. Para que o beijo que trocarmos de pés enterrados na areia molhada tenha todo o sabor ao mar que une as nossas almas.
E assim, de mentes claras e corpos abertos peçamos aos Deuses em oferenda que recebam o veleiro onde queremos partir para a viagem das nossas vidas.
A viagem do amor eterno, tendo como única frase trocada entre nós a expressão:
- Amo-te -....

Charlie

Carta dum ex-alcoólico

Quinta-feira, Março 30, 2006

carta aqui deixada por charlie

Em primeiro lugar, devo dizer que não há ex alcoólicos.
Um alcoólico é o para sempre.
A minha descida aos infernos surgiu quase sem dar por isso.
Uns copos com os amigos para preencher um vazio que me chamava como a vertigem chama o suicida. Uma vez em casa, já tarde, bebia mais uns quantos e ia deitar-me esquecido de mim.
Na verdade, eu odiava-me.
Queria ser outro. Um ser pleno de interioridade, brilhante como um sol, e eu, nas horas de sobriedade, via apenas um desgraçado em ressaca.
Olhava-me ao espelho e detestava o que via. Ao olhar os meus próprios olhos entrava no espaço que há por trás da superfície lisa e reflectora e sentia o tremendo peso de não encontrar coisa nenhuma.
Bebia então mais. Todos os dias mais.
Passei noites sem vir a casa. Veio o divórcio, e com ele entrei no último estágio da minha degradação. Perdi-me no vazio ainda maior das ligações esporádicas que me deixavam completamente arrasado após o relampejo do céu em ilusão e com a vontade da morte na alma. E foi precisamente quando preparava uma dose de whisky com barbitúricos para pôr um fim a tudo que a conheci.
Primeiro parecia ser uma criança a chorar, depois um gato.
Tinha já todos os comprimidos na mão mas aquele choro cortava-me o pouco que restava no fundo de mim.
- Como se pode alguém suicidar calmamente ao som disto...? - pensei.
Abri a janela do quarto que tinha para enxotar o bicho e vi então debaixo da janela o que me fez descer, cambaleando sobre a minha própria sombra.
Ali na rua estava ela. Deitada e delirando.Ainda muito nova, quase que uma criança. Em estado praticamente de coma alcoólico.Peguei nela e sem saber como levei-a para o meu quarto.Deitei-a e durante toda a noite vigiei, fiz chá, tratei dela como se me tivesse encontrado de repente num outro corpo. Agarrado a uma vida quando pouco antes queria acabar com a minha.
As horas da noite passarem-se em ansiedade, o cansaço a tomar a vez da euforia ilusória do álcool, e à medida que a noite clareava e dava lugar ás cores cruas da realidade, via nascer o dia na minha alma.
Passaram-se seis anos desde essa noite.
Ela saiu ao meio da tarde quando eu descansava da noite perdida.
Ao meu lado encontrei uma folha de papel com umas singelas palavras:

- Obrigado. Foste o meu Anjo da guarda. Salvaste-me a vida...-

Saí de casa, e procurei-a aflito por toda a parte.Pelos bares, recheados de olhares alheios e frios, que de repente assumiam tons de cinza e breu onde antes só vira cor e evasão.
Nunca mais a vi.
Gostava, então, só de encontrá-la mais uma vez que fosse.
Passou-se o tempo...Ao longo destes anos todos uma ideia tomou a pouco e pouco forma. Um novo sentido surgiu de palavras tão conhecidas como estafadas:

- ...escrever direito por linhas tortas.....-

E descobri assim a pouco e pouco como aquele corpo de mulher caído na rua fora a revelação que me salvara nessa noite terrível em que o desespero quase tinha vencido a vontade e alegria de viver que são hoje o meu Eu e a minha verdade profunda.
Salvou-me da única forma que nos podemos salvar que é a partir de nós mesmos.
Nesse mesmo dia procurei os Alcoólicos Anónimos.
Refiz o caminho.
Nunca mais bebi.
Escrevo estas linhas sim, dedico-as a ela que me guarda a toda a hora.
Não sei onde está mas sei-a bem dentro do meu coração.
Foi ela o meu anjo da guarda.
Faz parte da minha história de vida que agora ponho em palavras.
Possam elas algum dia ajudar alguém...

Charlie

A solução...

Sábado, Março 11, 2006

carta aqui deixada por charlie



Quantas vezes olhara a manhã de olhar perdido no horizonte?
Sempre que um sol nasce enche-se me o coração de esperança, do saber dum novo dia.
Todo ele promessa.
Todo ele um novo mundo de sorriso e alegria.
Desta vez bom, desta vez verdadeiro como aqueles que os meus sonhos inventam sem mais saber de amarguras anteriormente vividas.
Agora, ele que rompia do horizonte, abria os braços estendendo laivos da sua paixão pelos campos, pelos céus incendiados nas cores irreais que toda a vida eu procurara encontrar nuns lábios quentes como esses que agora lia nesta mensagem.
Todos os que já experimentarem essa sensação única de viajar nos braços do sol sabem disto. Imenso e vermelho, de orlas em rubores, queimam toda a alma num fogo que se deseja e que nos consome todas as energias.
Li mais uma vez a mensagem.
Já a conhecia de cor.
Quantas vezes passara por esta experiência?
Quantas noites me cobrara de insónias e tormentos?
Quantas lágrimas chorara no desesperado mar das impossibilidades?
Olhei uma vez mais para as letras uma a uma.
Em todas elas o Sol surgia mais forte que nas anteriores.
Uma lágrima correu pela face.
Sim... Amo esta mulher.
Tanto como as anteriores?
Não!
Nunca amei assim ninguém.
Lembrei-me vagamente do rosto delas. E surgiu este com toda a força de ser mulher e desejo. Paixão e entrega.
Predestinação.!
Toda a vida consumida atrás dum sonho, e ele acenando-me lá de longe, ao alcance da resposta esperada na mensagem chamando-me com todo o corpo, com todo o ser, toda a alma:
- Vem agora. Estou esperando-te ansiosamente...Amo-te. Quero ser tua para sempre...-
Pus a cabeça entre as mãos e chorei como uma criança.
Nem sei quanto tempo estive assim.
Fios de sentimento correndo pela face e desembocando nas mãos e correndo para os pulsos...Um coração partido no dilema que era já de toda a vida.
Depois olhei para o lado. Mirei-te sob a ténue luz do visor do telemóvel e beijei-te pedindo perdão. Muito baixinho só para mim, para não acordar-te.
Não te amo há muito...tu sentes isso, mas a tua forma tão particular de me amares, a tua entrega. A falta de mim que eu te respiro quando me beijas nos beijos que não sinto.
Se soubesses o que me vai por dentro...Se soubesses do sol e do mar que são o meu eu profundo...
Olhei uma última vez para a mensagem.
Depois, apaguei-a.
Apaguei da minha vida a mulher que mais amara desde sempre.
Nunca estivera com ela ao contrário das outras, mas bastaram as palavras trocadas para saber ter chegado ao destino da viagem, o sentido da minha vida, a metade de mim perdida, subitamente encontrada e que de forma total me completava.
Apaguei tudo da agenda do telefone. Com raiva de mim mesmo, com desespero. Com o desejo de morrer que fica quando a Morte bate á porta de alguém e leva um bocado de si...
Deitei-me olhando o vazio que me enchia agora todo o interior.
Ao meu lado dormias tranquilamente o sono dos justos. Descansada na tua forma simples de ser. O único poema que sempre souberas recitar era o que leras nos meus olhos, tantos anos atrás. Dei-te um ligeiro toque dos meus lábios na pele da tua face.
E chorei o resto da noite a certeza que não há soluções do coração livres de tormentos e mágoas...

Charlie

Carta do fim do mundo

Quarta-feira, Janeiro 25, 2006

carta aqui deixada por charlie

Envio-vos esta carta do fim do mundo.
Já nem me lembro de quando comecei o percurso e a procura do que veio a ser o objectivo da minha vida.
Mas que importância tem o tempo quando a vida só faz sentido perseguindo um sonho?
Encontrei finalmente o portal , e estou prestes a entrar.
Estou de repente a ver nos rostos de alguns um sobrolho levantado. Também os compreendo. Talvez melhor que possam pensar. Já tenho a garrafa preparado para meter esta carta dentro. Mal acabe de beber o último trago desta última do carregamento que trouxe para a viagem, farei o ritual. Com metade do corpo já dentro da passagem para o outro lado, deixarei um braço de fora, com a garrafa rolhada servindo de sarcófago desta missiva. Então solenemente olharei o sol e darei o salto para a Eternidade atirando a garrafa para o mundo onde vós estais condenados a viver.
Alguém há-de encontrar estas linhas a a boiar por aí.
Eu ficarei aqui, do outro lado do salto.
O fim do mundo fica curiosamente onde começa.
Tudo tem um princípio, tudo tem um fim mas quem encontra as origens de tudo vive para sempre.
Após tantos anos de viagem por todos os mares do mundo, de tantos naufrágios e desesperos, achei o que parecia ser uma fantasia mera de marinheiros tresloucados e supersticiosos.Mas a persistência é tudo quando se tem um objectivo na vida.
Levei comigo todos os mapas antigos. Cópias de viagens por um mundo que era infinitamente quadrado e plano.
Desconfiei que estava próximo há uma semana apenas. Olhei para o sol numa manhã e vi como ele nascia do outro lado do mar. Em como ele se punha onde deveria nascer. E como a lua fugia das minhas mãos, escorregadia, e como de noite as estrelas me perseguiam pela cabine e entravam comigo para os meus sonhos.
Da primeira vez ainda me assustei e corria com elas para fora do barco-Vão-se embora para a capa da noite- gritava-lhes eu. Mas depois compreendi de repente tudo e gritei a rir. Eram os sinais de que estava próximo. Atirei gritos de alegria ao ar, tão contente que estava! Consultei os mapas mais uma vez e fiz umas contas. Estava já a poucos metros.
Ali onde ninguém desconfia há um espaço invisível pouco maior que o corpo dum homem.É a porta de passagem. Quase nem se nota a não ser que se seja iniciado nestes segredos.Logo a seguir o mundo acaba e começa o precipício para onde as águas caiem.
Estou ansioso e vou fechar a garrafa com esta carta dentro e atirá-la ao mar no exacto momento em que pulo pelo portal....
Espera!
Ainda há Brandy...
Olho o sol alinhado com a passagem que me chama.
Sem tirar os olhos levo a garrafa à boca.
Deixa-me dar mais um golo...

Charlie

Carta escrita por Sancho Pança, ouvindo o seu mestre em desafio aos monstros de vento.

Sábado, Janeiro 14, 2006

carta aqui deixada por charlie





















Olho para mim.
Um cavaleiro de triste figura.
Todo o mundo tem o que quer.
Eu tenho a minha ilusão.
Chamam-lhe alguns de loucura!
Ah monstros que vos atrevestes a desafiar-me.
Em guarda!
Provareis a fúria da minha fera espada!
Como ousais desviar o olhar da minha dama?
Essa por quem os meus olhos vêem.
Por quem os meus ouvidos inventam melodias em cada som que emite, e por quem o meu coração bate com mais força que todos os canhões do mundo!
Como ousais assim desafiar quem tanto ama!
Como pudestes atrever a afasta-la de mim!
Como ousastes vis criaturas do Inferno!
Provareis o gume da minha ira na lâmina do aço.
Baixo a viseira.
Levanto o braço e alinho a arma entre os olhos.
Pico as ilhargas à minha montada.
De patas levantadas,relinchando e espumando da boca avanço,picando ainda mais.
Os dois corpos, cavalo e cavaleirounidos sob o mesmo desígnio de vingança.
Ai!Como o desespero me dá forças!
Ah malvados que sentireis todo o peso dum coração injustiçado.
Ao ataque!!!
Vis e cobardes monstros que me fazeis a alma em sangue e lágrimas.
Pelo amor à minha Dama!
Se tiver de morrer que morra a lutar por aquilo em que acredito!
Não!
Não fujam agora que estou tão próximo de vós.
Provai o pode fazer um homem possuído pela força da razão.
Vinde a mim e combatei cara a cara, frente a frente.
Tenho dito!
Até à última gota de sangue.
Até que os derrote.
Ou que descanse este meu Inferno, na fria Morte!

Carta de despedida

Sábado, Janeiro 07, 2006

carta aqui deixada por charlie

No momento em que receberes esta carta estarei longe de ti.
Se a escrevo agora e distante dos teus olhos é pela falta de coragem de dizer-te tudo nos teus espelhos da alma.
Cara a cara, frente a frente. Sempre me acusastes de cobardia, de falta de iniciativa.
E tens razão.
Descobri que tens toda a razão.
Mas o motivo para esse eu que me julgava ser vinha de ti.
Da tua forma cerceadora e castradora da minha personalidade.
Nunca deixaste que eu fosse quem sou.
Ao pé de ti tinha de estar sempre calado. Quando chegávamos a casa, depois de me teres reprimido horas a fio, acusavas-me de ser um tristonho que não sabia dizer nada. Quando quis sair para um novo emprego fizeste-me perder toda a vontade para a entrevista que felizmente correu bem. Conseguí este novo emprego.
Longe desta cidade.
Longe de ti.
Junto a outras pessoas que me estimam.
Encontrei alguém. Uma mulher maravilhosa que me ama como sou e com quem nunca me faltou o arrojo nem para dizer que a amava, nem para encetar a aventura mais fantástica da minha vida.
Não cabem aqui mais recriminações nem acusações. Sinto-me livre como um pássaro. Livre para amar e ser amado como mereço.
Sei que encontrarás alguém à tua medida.
Para terminar devo dizer-te que não saio exclusivamente de casa por causa desta mulher que se cruzou numa encruzilhada da vida com o meu destino.
Já há meses que esta ideia vinha tomando forma e quis a providência fazer com que nos encontrássemos numa altura crucial da vida de ambos. Eu sairia de casa de qualquer maneira, desse para onde desse, mas antes assim que poderei refazer a minha vida de imediato.
Espero que sintas o mesmo alívio ao leres estas linhas que eu senti ao escreve-las.

Teu ex.
AssinadoXXXXXXXXXXXXXXXXX

Carta dum apaixonado.

Segunda-feira, Janeiro 02, 2006

carta aqui deixada por charlie

Em primeiro lugar esta carta é escrita sem a mínima intenção de ser enviada.
Desde o primeiro instante em que te vi, toda a minha vida se alterou.
Cruzo-me contigo e tenho a alma cheia de poemas para dizer-te mas da minha boca não sai mais que um mero grunhido. A minha face, que ensaio ao espelho até me encandear com o sol que reflecte, não exprime coisa melhor um esgar idiota bem o sei.
Vejo isso nos teus olhos quando me devolves rapidamente o cumprimento e segues flutuando no teu rumo.
Sinto-me o Gregor Samsa.
Um mísero insecto.
Um prisioneiro ridículo do pesadelo de Kafka.
De carapaça rígida, perdida neste corpo incapaz de moldar a expressão à intensidade do tormento em flor que lhe consome a alma.
Sempre te procurei nas outras mulheres que se encantavam nas minhas palavras doces. Nos meus gestos suaves e no embalar divino com que as despia em poemas soltos.
Via-lhes o sol no olhar enquanto por dentro a minha alma sofria por não encontrar-te nos lábios com as quais elas se abriam ao amor por mim sonhado, nos corpos perdidos no infinito dos paraísos que lhes fazia viver ao ritmo da minha íntima infinita infelicidade.
Agora que o destino nos colocou no mesmo caminho, vejo-me impotente para te abordar e para mostrar a verdade de mim que toda a vida fingi. Sou um triste espectador de mim mesmo. Numa peça ensaiada vezes sem fim. Representada infinitamente até à perfeição mais perfeita, mas que teima em ficar muda no palco do grande existir.
Neste momento vou lendo em voz alta à medida que escrevo. Junto a mim está alguém lavada em lágrimas. Disse-lhe tudo o que queria dizer-te e ela veio comigo a caminho do Éden. Procurei o teu infinito no corpo dela. Apenas a aflorei e ficou-me o vazio de sempre.
No fundo sei que também tu vives por encontrar o além que vive nas minhas palavras sonhadas. Por encontrar esse que estás longe de supor por trás da farsa que te mostro. Do nada que vês e que esconde o tudo por que anseias.
Descobri que sou o Inferno.
O meu reino é o sofrer.
Descobri isso ainda há pouco. Sofro por não ter-te e transmito a dor no vazio que deixo às que se me entregam na ilusão da eternidade.
Sofro ainda mais ao ver-me iluminado pela tua luz e não ser capaz de sair das trevas, e iluminar-te ainda mais com a minha chama interior.
Achei-me assim Senhor neste eterno desespero.
Sei agora que me sinto bem no sofrimento de que é feita a minha vida.
Amanhã irei encontrar-te outra vez.
À hora do costume.
Dar-te ei os bons dias com a última expressão que mostraria a uma mulher.
Rir-te às com uma fugidia resposta.
Eu ficarei ardendo em renovadas chamas de miséria e sofrimento.
Elas são o conforto do meu lar...

Charlie

Carta dum suicida, para ti


Quinta-feira, Dezembro 22, 2005

carta aqui deixada por charlie

Sou um suicida.
Gosto de suicidar-me sempre depois do Solstício do Inverno.
Suicido-me porque amo a vida.
Derrubo-me em podridão e nojo de mim.
Abro-me às Primaveras que se seguirão.
A força da Eternidade em sangrias que sugo em sexo das mulheres que me querem possuir, abelhas sequiosas do meu pólen a quem retiro em êxtases absolutos e divinais doses vitais em orgasmos dos quais me alimento desde sempre.Reduzo as à mera mortalidade.
Recomeço sempre como o que sou. Um nada. O epígono da ausência.
Depois, sem que faça nada por isso dou por mim a viver no tempo que é dos outros e sempre dono de grande riqueza.
Nunca fui um primeiro homem.
Não sou das ribaltas.
O meu reino é o da penumbra.
Deixo que me vislumbrem e depois desapareço.
Fui ao longo dos tempos mais recentes Marquês de Monferrat, mas também Conde de Belamy. E ainda Senhor de Surmont e antes conde de Welldone.
Estive nas cortes da Europa mas também na tomada da Bastilha.Em Alexandria e na queda de Jerusalém. No apoio e na queda das agulhas da História.
Sei o efeito que causo.
Atrás de mim fica sempre a inquietação.
Foi a que conheci no rosto de Alexander Cagliostro, quando ele a sua esposa, a Lorenza Feliciani, me visitaram. Na altura eu teria uns duzentos anos, não me lembro bem. Mas recebi-os no meu palácio da Holsácia. O Cagliostro pedira-me uma audiência secreta. Recebi-o no meu templo interior, rodeado de serviçais com incensórios e com o peito coberto de diamantes. Disse-lhe em dois minutos tudo sobre a glória humana. Sobre os homens de Estado e sobre as gentes que repetem sempre os mesmo erros através da História. Sobre os homens como ele a quem chamei de charlatão. Disse-lhe tudo o que tinha dito a Ramses II e a Salomão. A Nabucodonosor e a Gengis Kan. A Pilatos e a Hitler. A Marco Polo e Cristóvão Colombo. Disse-lhes coisas que só poderiam ser ditas por Leonardo. Esse, o da Vinci que fui eu durante o tempo necessário.
Depois as portas fecharam-se e o casal ficou olhando para o vazio.
Em êxtase.
Tinham falado com Deus!
Nessa altura eu era o Conde de St Germain. Depois farto desse ciclo, suicidei-me.
Estive há dias vendo a minha campa. A uns disse que me retirava para os Himalaias em 1790 e que regressaria 85 anos depois. De facto voltei já sob outro nome, para incendiar a biblioteca onde quase me desvendavam.
Sou fundador do Rosa Cruz mas já tinha falado muitos séculos antes com Confucio que me perguntou dando a resposta em sabedorias Orientais.:" e o homem prudente, qual é? Aquele que conhece os outros!"
Eu respondí-lhe"Mais prudente é o que morre, a ele nunca ninguém o conhecerá.”
Morri nessa altura ao passar na grande muralha.
Na verdade não fui eu mas um desgraçado a quem roubei a roupa.
Empurrei-o da muralha e fui para a Europa.
Morri ao lado de Cristo e matei como Átila.
Agora chegou a hora de morrer outra vez.
Estou no fim dum ciclo.
Perseguem-me por toda a parte.
Preciso de encontrar alguém.
Vivo do renascer.
Por isso mando-te esta carta.
Talvez vá bater-te à porta....

Charlie

Carta sem importancia

Sábado, Dezembro 17, 2005

carta aqui deixada por charlie

Olá companheiros.
Muitos não saberão quem sou, mas devo dizer que isso não tem qualquer importância pois nem mesmo eu me lembro de ter visto o meu rosto em lado algum.
Todos os dias saio de casa com uma disposição óptima.
Dou um pontapé numa lata que esteja no caminho.
Ela é culpada de tudo.
Todas as latas que estão no caminho são culpadas.
Aprendi isso com o patrão que me mandou para a rua.
Ele é dono duma das muitas redes de Hipermercados que existe no país.
Dantes eu tinha uma pequena indústria. Ele pedia-me fornecimentos. Depois mais e mais e mais. Precisei de dinheiro, ele entrou como sócio. Inteirou-se de todos os processos e segredos de fabrico. Meteu lá mais dinheiro e a empresa cresceu. A minha parte cada vez mais pequena. Depois deu-me um pontapé. Pôs-me na rua. Da fábrica que fiz com as minhas mãos. Vieram uns seguranças. E rua com ele. Nem disseram o meu nome que dantes repetiam respeitosamente quando todos os dias entrava no escritório:
- Bom dia Sr “X.Y.Z.” Bom dia Sr “X.Y.Z.” Bom dia Sr “X.Y.Z.”........-
Outro pontapé na lataTlim tlim talong pling....ploc...badalong...
Ficou-se junto ao lancil. Bem feita para não estares no caminho. Há um senhor que passa e peço-lhe um cigarro. Acendo-o maravilhado.A gora fumo-o em charuto. Faço argolas acrobáticas no ar. E rio-me em fortes gargalhadas.Hahahahahhahaa. O charuto, este, o último, é duma caixa que ele me ofereceu no dia em que assinámos a sociedade. Se vocês tivessem visto. Veio no jornal e tudo. Houve uma festa na empresa, tudo sorrisos e horizontes cor de rosa. Garrafas de champanhe, mariscos e carnes grelhadas. Prendas para todos. Hehehee...
Vou agora entrar no Hiper cá do Bairro.
É dele. Ele é dono de tudo.
Acho que vou dar pontapés em todas as estantes e deitar coisas para o chão.He he..Estou contente ao entrar. A luz é intensa mas não vejo ainda as estantes. Só portas e paredes. Lá dentro há uns quantos clientes. Todos vestido de branco. Deve ser moda.
Mal me vêem correm para mim. Sorrio para eles. Se calhar reconheceram-me. Gritam: -“Ali está ele, como é que ele ...?”-
Não percebo o resto.
Eu não sei o meu nome...
.Agora estão ao pé de mim.
Estendo-lhes a mão.
Sempre fui uma pessoa generosa com os meus empregados e clientes. Mas eles agarram-me. Dois por trás e um à frente com uma agulha.-Assaltantes- Grito: “ Socorro!”
Não me lembro de mais nada. Não sei quanto tempo passou.
Há já um bocado que estou a escrever esta carta na parede.Não tenho caneta, nem tinta nem papel.
Mas escrevo com saliva.
É o meu passatempo.
Coisa sem importância...
Se ao menos tivesse umas estantes para deitar abaixo....

Charlie

Carta de Maria de Fátima para a mãe

Sexta-feira, Dezembro 09, 2005


carta aqui deixada por charlie
Lisboa, 4 Julho de 2004

Minha querida mãe.
Escrevo-lhe esta carta cheia de saudades e esperando que esteja bem.
Há já três meses que não a gente não se vê.
Eu por cá estou muito bem felizmente e contente com o emprego.
Estou a trabalhar num Salão de beleza muito bem frequentado onde aparecem algumas pessoas famosas das revistas que a mãe comprava quando eu estava aí.
Aprendí depressa, e a patroa gosta muito de mim.
Já me deixa tratar do cabelo das clientes sozinha e até ja me convidou algumas vezes para ir almoçar com ela. Tratou do meu aspecto, pintou-me o cabelo de louro claro e diz-me a brincar que eu pareço uma estrangeira. Farto-me de rir.
Começou a pagar melhor e por isso posso mandar-lhe algum dinheiro. Ao mesmo tempo arranjei um trabalho extra num hotel onde faço umas horas todas as semanas. Estou vendo a vida a pouco e pouco a andar para a frente graças a Deus.
Vem cá uma senhora estrangeira arranjar o cabelo que é dos paises de Leste e diz no falar engraçado dela que eu pareço também da terra dela. Dá-me sempre uma boa gorjeta mas quando se vai embora gosto de imitar o seu modo de falar e rimos muito a minha patroa e eu.
Agora... mãe... vem algo mais difícil e preciso da sua ajuda.
Tenho algo a pedir-lhe mas falta-me a coragem para isso. Como sabes namoro o Filipe há dois anos. Ele tem-me escrito para a pensão mas eu não lhe tenho dado resposta. Na verdade, sinto que a minha vida irá ser em Lisboa e descobri como ele era realmente um bom rapaz mas muito limitado e com uma visão de futuro que não tem nada a ver com o que eu sempre procurei.
Queria acabar o namoro com ele mas não sei como dizer-lhe. Se fosse possível , a mãe poderia prepará-lo e falar com ele. Não queria magoá-lo pois sinto que ele poderia ficar a sofrer.
Tenho de dizer a pouco e pouco, mas preciso que a mãe o fosse mais ou menos fazendo ver que eu já não volto para aí e que por isso o melhor é a gente pôr um fim ao nosso relacionamento.
Mande-me notícias daí para a morada nova que vem no envelope.Agora estou a viver num quarto alugado, pois já saí da pensão. Deverá enviar a carta endereçada para a Tanya, porque a dona da casa também se chama Maria de Fátima e assim ela poderia pensar que a sua carta seria para ela.
Eu disse-lhe que me chamava Tanya quando ela me perguntou se era estrangeira e me disse que se chamava como eu, para não haver confusões com os nomes.
Despeço-me com um grande beijo de saudades.
Sua filha: Maria de Fátima.

Por Charlie

Carta do Padre Alberto para a terra

Quarta-feira, Dezembro 07, 2005

Carta do Padre Alberto para a terra.
carta aqui deixada por charlie

Querida tia.
Em primeiro lugar sou por este meio a desejar que esta missiva a vá encontrar de boa saude, e que assim continue na graça e com a benção do altíssimo Todo Poderoso Pai do Céu nosso Senhor.
O que lhe vou pedir de seguida é uma obra de caridade.
Em muito contribuirá para engrandecer a obra de Deus e será tido em conta no dia do julgamento em que a sua alma prestará contas ao Criador.
No momento em que esteja a ler esta carta, deverá estar a chegar muito em breve, à sua casa, uma pobre paroquiana duma das muitas freguesias que me foram destinadas.
Ovelha tresmalhada, merece de todos nós a suprema entrega ao sopro divino personificado no sagrado exemplo do Senhor que nos ensinou as virtudes da comiseração e misericórdia e conto consigo para esta tarefa que resolvi tomar em mãos para louvor e glória do santíssimo Senhor nosso Salvador.
Decidi assim querida tia, que esta pobre alma, fique hospedada na aldeia durante o período de gravidez na casa da minha falecida mãe, a sua irmã Matilde. Juntamente com ela irá um envelope com algumas instruções para que a tia possa levantar algum dinheiro, quando fôr à vila, para auxilio dessa pobre infeliz.
Ela chama-se Tanya e é Ucraniana e quis o destino que tivesse caído nas mãos do Demo, cedendo às pecaminosas tentações da carne.
Mas como Jesus Cristo filho de Deus fez e deu como exemplo, longe de escorraçar Maria Madalena, usou como lição para todo o sempre umas simples palavras em jeito de pergunta:
-" Quem estiver livre de pecado que atire a primeira pedra"-.
Saibamos todos integrar e fundir nos nossos corações a lição do Senhor e aplicar diariamente o sacramento da caridade, dando a mão aos irmãos e irmãs caídas na tentação do pecado.
De tempos a tempos irei de visita com o fim de prestar todo o apoio espiritual a essa pobre infeliz de molde a re encaminhar essa alma perdida para os santos caminhos do Senhor.
Antecipo desde já os agradecimentos e todo o auxílio que possa prestar-lhe, assim como toda a discrição que deverá acompanhar a sua estada.
O seu sobrinho, que muito a estima,
P. Alberto

Charlie