sábado, 19 de maio de 2007

Carta dum canalha

Domingo, Julho 16, 2006

carta aqui deixada por charlie

Sou um canalha.Sim!
Na verdadeira acepção da palavra.
Um homem sem escrúpulos.
Uso o mesmo sorriso para pagar um café ou para vigarizar um tanso qualquer.
Na verdade, toda a minha vida foi passada a endrominar meio mundo.
Podem perguntar se sou rico.
Não me considero rico, isto é; neste mundo há homens muito mais ricos que eu.
Para dizer tudo como realmente é, e como sinto, precisava mesmo de dar um tremendo golpe para me sentir exultante e realizado.
Não me dá já qualquer satisfação seduzir e fazer com que uma mulher se me entregue.
Que me dê de mão beijada o seu coração, o seu corpo os seus pertences e a sua alma.
Deixo-a no acto continuo e isso não me pesa nem um grama na minha consciência. Depois de ter o que pretendo só posso seguir em frente, senhor dos meus intentos, rumo ao infinito da satisfação seguinte.
Casos houve em que nem para a cama fui, desaparecendo sem deixar rasto após ter o que queria. Na verdade, só o pensar nas suas lágrimas me dava uma sensação próxima do orgasmo. O saber-lhes em angústia esperando por mim, presas entre a dúvida e a sensação de terem sido enganadas, dava-me um gozo tremendo.
Sou assim, mas sou mais:Sei muito bem o que é falsificar assinaturas, alterar as quantias nos cheques e vender por bom preço acções sem valor. Já vendi propriedades que não me pertenciam e também vendi o mesmo lote de terreno a uma dúzia de pessoas.
Sei o que é conseguir apropriar-se dum Banco sem ter dinheiro. Sei o que é levar à ruína inúmeros accionistas e empresários que confiaram em mim. Mordo os lábios de satisfação e gozo puro só imaginar-lhes as mãos a afagar a arma que depois encostam à cabeça.
Acima de tudo sei o sabor único que existe na saliva do predador que sou e que me prezo de ser: - O sabor a sangue! -
Mas tudo isso, como já disse antes, não me diz nada neste exacto momento. À custa de tanto repetir as mesmas acções, elas perderam o impacto e o frenesim com que me costumavam prender e excitar.
As mulheres há muito que deixaram de ser minhas vítimas. Não por falta de desejo, mas por serem alvos demasiadamente fáceis.
Vender terrenos e acções, enganar gerentes bancários e tudo mais... já nada disso me move. Preciso mesmo de algo intenso e que seja o corolário da minha carreira de canalha. Uma coisa em que possa empenhar todo o meu ser, aplicar o supremo dos meus expedientes, vencer as barreiras interiores e fazer com que todos se me entreguem.
Algo em que tenha à minha frente toda uma multidão crente, em êxtase total e pendurada das minhas palavras. Uma sessão única onde sinta ter todas aquelas almas presas das minhas lágrimas, escorregando deliciadas e sofridas em cada palavra chorada e levadas ao meu bel-prazer pelos meandros tortuosos da minha sedução.
Agora que vivi todos estes anos.
Que já experimentei tudo o que há para experimentar, e onde nada me resta descobrir no campo onde sou Mestre, só vejo uma saída.
Vou candidatar-me a um cargo político....
Sei que irão votar em mim...

Charlie.

Todo o mar num conta-gotas

Terça-feira, Junho 20, 2006

carta aqui deixada por charlie

Descobri-lhe a pouco e pouco os ritmos do corpo, os sons que a faziam estremecer, os pequenos gestos, quase nadas, de onde nasciam os novos mundos que ela me devolvia acrescentados de paisagens em permanente mutação.
Sempre virgens.
Novas sensações que ela sabia acabadas de nascer do mais profundo de mim, e onde ela se sabia raínha e senhora.



















Fizemos amor.
Todo o amor do mundo.
Todo o amor que me transbordava da alma e que nunca encontrara destino; meros fantasmas nos apogeus dos orgasmos e gozo.
Depois, já em descanso ficámos deitados olhando com deleite a nossa nudez, as nossas coisas que assumiam aos nossos dedos o papel de pequenas brincadeiras:
- "...Tens aqui um sinal meu anjo...e tu. O que é isto? "...-
Beijámo-nos de olhos fechados sentindo novamente todo o corpo em efervescência.
E passámos as nossas línguas pelos recantos secretos onde as almas espreitam ao cimo da pele.
E rimo-nos...
Rimo-nos como se quiséssemos esquecer as lágrimas amargas que choraríamos na hora da despedida e nas semanas de ausência que se seguiriam.
Mas nesse instante, nesse mesmo instante em que nos entregávamos, todo o mundo acabava, todo o tempo ficava suspenso até ao momento em que um ponteiro aziago nos lembrava que o mundo não espera pelos que se atrevem a desafiar e permanecer nos reinos dos Deuses....

Charlie

Declaração de Amor.

Segunda-feira, Maio 08, 2006

carta aqui deixada por charlie

Esta carta que te escrevo, é a carta que sempre existiu na minha alma.
Pronta a sair no dia em que te encontrasse numa encruzilhada da vida, em que o destino nos pusesse a pisar o mesmo trilho.
Como aconteceu agora, sem anunciar, sem esperar.
Foste sempre a outra metada da minha alma, que eu via sem rosto quando te procurei em vão, perdido nas tempestades das intensidades íntimas, vageando de velas em farrapos, afundando-me em naufrágios, na ilusão dos corpos de que já não me lembro, e que me deixavam vazio, sem te encontrar e sem mais saber de mim.
Depois, surgiste...Assim de surpresa, no meio dumas entrelinhas, como nesgas de sol que nos surpreendem o rosto por entre as folhagens espessas que nos roubam a esperança do azul, mas que eu inventava e reinventava em letras negras da cor do sangue.
Fez-se luz!
Fizemos acontecer o milagre e tocámo-nos.
Olhámo-nos nos olhos, mergulhámos nos nossos mares, e nesse mesmo instante soube que seria teu para sempre.
Nesse exacto momento entre duas brilhantes estrelas que eu bebi do teu rosto num beijo, entraste-me na alma e disseste:- Sou tua..-
Selámos o nosso amor com o sal dos nossos olhos, com o gosto dos nossos lábios e com o calor dos nossos corpos.
Se escrevo estas linhas agora e não antes, não é para que saibas que te amo, nem para me rearfirmares o teu amor. Isso sentimos os dois desde o primeiro instante.
Todos os poetas cantaram o amor, mas só quem o sente e o vive lhe entende o sentido, lhe sabe a dor com que o fogo corta o peito, o doce da entrega e o amargo que castiga as almas com as ausências.
Estas linhas simples são apenas um grito ao mundo, para que ele desperte e durante uma breve paragem do tempo se dê conta que existimos.Um anúncio do nosso amor!Para que o sol espere apenas um pouco antes de entrar no mar sem fim e ilumine com fogo os areais da nossa ilha. Para que o beijo que trocarmos de pés enterrados na areia molhada tenha todo o sabor ao mar que une as nossas almas.
E assim, de mentes claras e corpos abertos peçamos aos Deuses em oferenda que recebam o veleiro onde queremos partir para a viagem das nossas vidas.
A viagem do amor eterno, tendo como única frase trocada entre nós a expressão:
- Amo-te -....

Charlie

Carta dum ex-alcoólico

Quinta-feira, Março 30, 2006

carta aqui deixada por charlie

Em primeiro lugar, devo dizer que não há ex alcoólicos.
Um alcoólico é o para sempre.
A minha descida aos infernos surgiu quase sem dar por isso.
Uns copos com os amigos para preencher um vazio que me chamava como a vertigem chama o suicida. Uma vez em casa, já tarde, bebia mais uns quantos e ia deitar-me esquecido de mim.
Na verdade, eu odiava-me.
Queria ser outro. Um ser pleno de interioridade, brilhante como um sol, e eu, nas horas de sobriedade, via apenas um desgraçado em ressaca.
Olhava-me ao espelho e detestava o que via. Ao olhar os meus próprios olhos entrava no espaço que há por trás da superfície lisa e reflectora e sentia o tremendo peso de não encontrar coisa nenhuma.
Bebia então mais. Todos os dias mais.
Passei noites sem vir a casa. Veio o divórcio, e com ele entrei no último estágio da minha degradação. Perdi-me no vazio ainda maior das ligações esporádicas que me deixavam completamente arrasado após o relampejo do céu em ilusão e com a vontade da morte na alma. E foi precisamente quando preparava uma dose de whisky com barbitúricos para pôr um fim a tudo que a conheci.
Primeiro parecia ser uma criança a chorar, depois um gato.
Tinha já todos os comprimidos na mão mas aquele choro cortava-me o pouco que restava no fundo de mim.
- Como se pode alguém suicidar calmamente ao som disto...? - pensei.
Abri a janela do quarto que tinha para enxotar o bicho e vi então debaixo da janela o que me fez descer, cambaleando sobre a minha própria sombra.
Ali na rua estava ela. Deitada e delirando.Ainda muito nova, quase que uma criança. Em estado praticamente de coma alcoólico.Peguei nela e sem saber como levei-a para o meu quarto.Deitei-a e durante toda a noite vigiei, fiz chá, tratei dela como se me tivesse encontrado de repente num outro corpo. Agarrado a uma vida quando pouco antes queria acabar com a minha.
As horas da noite passarem-se em ansiedade, o cansaço a tomar a vez da euforia ilusória do álcool, e à medida que a noite clareava e dava lugar ás cores cruas da realidade, via nascer o dia na minha alma.
Passaram-se seis anos desde essa noite.
Ela saiu ao meio da tarde quando eu descansava da noite perdida.
Ao meu lado encontrei uma folha de papel com umas singelas palavras:

- Obrigado. Foste o meu Anjo da guarda. Salvaste-me a vida...-

Saí de casa, e procurei-a aflito por toda a parte.Pelos bares, recheados de olhares alheios e frios, que de repente assumiam tons de cinza e breu onde antes só vira cor e evasão.
Nunca mais a vi.
Gostava, então, só de encontrá-la mais uma vez que fosse.
Passou-se o tempo...Ao longo destes anos todos uma ideia tomou a pouco e pouco forma. Um novo sentido surgiu de palavras tão conhecidas como estafadas:

- ...escrever direito por linhas tortas.....-

E descobri assim a pouco e pouco como aquele corpo de mulher caído na rua fora a revelação que me salvara nessa noite terrível em que o desespero quase tinha vencido a vontade e alegria de viver que são hoje o meu Eu e a minha verdade profunda.
Salvou-me da única forma que nos podemos salvar que é a partir de nós mesmos.
Nesse mesmo dia procurei os Alcoólicos Anónimos.
Refiz o caminho.
Nunca mais bebi.
Escrevo estas linhas sim, dedico-as a ela que me guarda a toda a hora.
Não sei onde está mas sei-a bem dentro do meu coração.
Foi ela o meu anjo da guarda.
Faz parte da minha história de vida que agora ponho em palavras.
Possam elas algum dia ajudar alguém...

Charlie

A solução...

Sábado, Março 11, 2006

carta aqui deixada por charlie



Quantas vezes olhara a manhã de olhar perdido no horizonte?
Sempre que um sol nasce enche-se me o coração de esperança, do saber dum novo dia.
Todo ele promessa.
Todo ele um novo mundo de sorriso e alegria.
Desta vez bom, desta vez verdadeiro como aqueles que os meus sonhos inventam sem mais saber de amarguras anteriormente vividas.
Agora, ele que rompia do horizonte, abria os braços estendendo laivos da sua paixão pelos campos, pelos céus incendiados nas cores irreais que toda a vida eu procurara encontrar nuns lábios quentes como esses que agora lia nesta mensagem.
Todos os que já experimentarem essa sensação única de viajar nos braços do sol sabem disto. Imenso e vermelho, de orlas em rubores, queimam toda a alma num fogo que se deseja e que nos consome todas as energias.
Li mais uma vez a mensagem.
Já a conhecia de cor.
Quantas vezes passara por esta experiência?
Quantas noites me cobrara de insónias e tormentos?
Quantas lágrimas chorara no desesperado mar das impossibilidades?
Olhei uma vez mais para as letras uma a uma.
Em todas elas o Sol surgia mais forte que nas anteriores.
Uma lágrima correu pela face.
Sim... Amo esta mulher.
Tanto como as anteriores?
Não!
Nunca amei assim ninguém.
Lembrei-me vagamente do rosto delas. E surgiu este com toda a força de ser mulher e desejo. Paixão e entrega.
Predestinação.!
Toda a vida consumida atrás dum sonho, e ele acenando-me lá de longe, ao alcance da resposta esperada na mensagem chamando-me com todo o corpo, com todo o ser, toda a alma:
- Vem agora. Estou esperando-te ansiosamente...Amo-te. Quero ser tua para sempre...-
Pus a cabeça entre as mãos e chorei como uma criança.
Nem sei quanto tempo estive assim.
Fios de sentimento correndo pela face e desembocando nas mãos e correndo para os pulsos...Um coração partido no dilema que era já de toda a vida.
Depois olhei para o lado. Mirei-te sob a ténue luz do visor do telemóvel e beijei-te pedindo perdão. Muito baixinho só para mim, para não acordar-te.
Não te amo há muito...tu sentes isso, mas a tua forma tão particular de me amares, a tua entrega. A falta de mim que eu te respiro quando me beijas nos beijos que não sinto.
Se soubesses o que me vai por dentro...Se soubesses do sol e do mar que são o meu eu profundo...
Olhei uma última vez para a mensagem.
Depois, apaguei-a.
Apaguei da minha vida a mulher que mais amara desde sempre.
Nunca estivera com ela ao contrário das outras, mas bastaram as palavras trocadas para saber ter chegado ao destino da viagem, o sentido da minha vida, a metade de mim perdida, subitamente encontrada e que de forma total me completava.
Apaguei tudo da agenda do telefone. Com raiva de mim mesmo, com desespero. Com o desejo de morrer que fica quando a Morte bate á porta de alguém e leva um bocado de si...
Deitei-me olhando o vazio que me enchia agora todo o interior.
Ao meu lado dormias tranquilamente o sono dos justos. Descansada na tua forma simples de ser. O único poema que sempre souberas recitar era o que leras nos meus olhos, tantos anos atrás. Dei-te um ligeiro toque dos meus lábios na pele da tua face.
E chorei o resto da noite a certeza que não há soluções do coração livres de tormentos e mágoas...

Charlie

Carta do fim do mundo

Quarta-feira, Janeiro 25, 2006

carta aqui deixada por charlie

Envio-vos esta carta do fim do mundo.
Já nem me lembro de quando comecei o percurso e a procura do que veio a ser o objectivo da minha vida.
Mas que importância tem o tempo quando a vida só faz sentido perseguindo um sonho?
Encontrei finalmente o portal , e estou prestes a entrar.
Estou de repente a ver nos rostos de alguns um sobrolho levantado. Também os compreendo. Talvez melhor que possam pensar. Já tenho a garrafa preparado para meter esta carta dentro. Mal acabe de beber o último trago desta última do carregamento que trouxe para a viagem, farei o ritual. Com metade do corpo já dentro da passagem para o outro lado, deixarei um braço de fora, com a garrafa rolhada servindo de sarcófago desta missiva. Então solenemente olharei o sol e darei o salto para a Eternidade atirando a garrafa para o mundo onde vós estais condenados a viver.
Alguém há-de encontrar estas linhas a a boiar por aí.
Eu ficarei aqui, do outro lado do salto.
O fim do mundo fica curiosamente onde começa.
Tudo tem um princípio, tudo tem um fim mas quem encontra as origens de tudo vive para sempre.
Após tantos anos de viagem por todos os mares do mundo, de tantos naufrágios e desesperos, achei o que parecia ser uma fantasia mera de marinheiros tresloucados e supersticiosos.Mas a persistência é tudo quando se tem um objectivo na vida.
Levei comigo todos os mapas antigos. Cópias de viagens por um mundo que era infinitamente quadrado e plano.
Desconfiei que estava próximo há uma semana apenas. Olhei para o sol numa manhã e vi como ele nascia do outro lado do mar. Em como ele se punha onde deveria nascer. E como a lua fugia das minhas mãos, escorregadia, e como de noite as estrelas me perseguiam pela cabine e entravam comigo para os meus sonhos.
Da primeira vez ainda me assustei e corria com elas para fora do barco-Vão-se embora para a capa da noite- gritava-lhes eu. Mas depois compreendi de repente tudo e gritei a rir. Eram os sinais de que estava próximo. Atirei gritos de alegria ao ar, tão contente que estava! Consultei os mapas mais uma vez e fiz umas contas. Estava já a poucos metros.
Ali onde ninguém desconfia há um espaço invisível pouco maior que o corpo dum homem.É a porta de passagem. Quase nem se nota a não ser que se seja iniciado nestes segredos.Logo a seguir o mundo acaba e começa o precipício para onde as águas caiem.
Estou ansioso e vou fechar a garrafa com esta carta dentro e atirá-la ao mar no exacto momento em que pulo pelo portal....
Espera!
Ainda há Brandy...
Olho o sol alinhado com a passagem que me chama.
Sem tirar os olhos levo a garrafa à boca.
Deixa-me dar mais um golo...

Charlie

Carta escrita por Sancho Pança, ouvindo o seu mestre em desafio aos monstros de vento.

Sábado, Janeiro 14, 2006

carta aqui deixada por charlie





















Olho para mim.
Um cavaleiro de triste figura.
Todo o mundo tem o que quer.
Eu tenho a minha ilusão.
Chamam-lhe alguns de loucura!
Ah monstros que vos atrevestes a desafiar-me.
Em guarda!
Provareis a fúria da minha fera espada!
Como ousais desviar o olhar da minha dama?
Essa por quem os meus olhos vêem.
Por quem os meus ouvidos inventam melodias em cada som que emite, e por quem o meu coração bate com mais força que todos os canhões do mundo!
Como ousais assim desafiar quem tanto ama!
Como pudestes atrever a afasta-la de mim!
Como ousastes vis criaturas do Inferno!
Provareis o gume da minha ira na lâmina do aço.
Baixo a viseira.
Levanto o braço e alinho a arma entre os olhos.
Pico as ilhargas à minha montada.
De patas levantadas,relinchando e espumando da boca avanço,picando ainda mais.
Os dois corpos, cavalo e cavaleirounidos sob o mesmo desígnio de vingança.
Ai!Como o desespero me dá forças!
Ah malvados que sentireis todo o peso dum coração injustiçado.
Ao ataque!!!
Vis e cobardes monstros que me fazeis a alma em sangue e lágrimas.
Pelo amor à minha Dama!
Se tiver de morrer que morra a lutar por aquilo em que acredito!
Não!
Não fujam agora que estou tão próximo de vós.
Provai o pode fazer um homem possuído pela força da razão.
Vinde a mim e combatei cara a cara, frente a frente.
Tenho dito!
Até à última gota de sangue.
Até que os derrote.
Ou que descanse este meu Inferno, na fria Morte!

Carta de despedida

Sábado, Janeiro 07, 2006

carta aqui deixada por charlie

No momento em que receberes esta carta estarei longe de ti.
Se a escrevo agora e distante dos teus olhos é pela falta de coragem de dizer-te tudo nos teus espelhos da alma.
Cara a cara, frente a frente. Sempre me acusastes de cobardia, de falta de iniciativa.
E tens razão.
Descobri que tens toda a razão.
Mas o motivo para esse eu que me julgava ser vinha de ti.
Da tua forma cerceadora e castradora da minha personalidade.
Nunca deixaste que eu fosse quem sou.
Ao pé de ti tinha de estar sempre calado. Quando chegávamos a casa, depois de me teres reprimido horas a fio, acusavas-me de ser um tristonho que não sabia dizer nada. Quando quis sair para um novo emprego fizeste-me perder toda a vontade para a entrevista que felizmente correu bem. Conseguí este novo emprego.
Longe desta cidade.
Longe de ti.
Junto a outras pessoas que me estimam.
Encontrei alguém. Uma mulher maravilhosa que me ama como sou e com quem nunca me faltou o arrojo nem para dizer que a amava, nem para encetar a aventura mais fantástica da minha vida.
Não cabem aqui mais recriminações nem acusações. Sinto-me livre como um pássaro. Livre para amar e ser amado como mereço.
Sei que encontrarás alguém à tua medida.
Para terminar devo dizer-te que não saio exclusivamente de casa por causa desta mulher que se cruzou numa encruzilhada da vida com o meu destino.
Já há meses que esta ideia vinha tomando forma e quis a providência fazer com que nos encontrássemos numa altura crucial da vida de ambos. Eu sairia de casa de qualquer maneira, desse para onde desse, mas antes assim que poderei refazer a minha vida de imediato.
Espero que sintas o mesmo alívio ao leres estas linhas que eu senti ao escreve-las.

Teu ex.
AssinadoXXXXXXXXXXXXXXXXX

Carta dum apaixonado.

Segunda-feira, Janeiro 02, 2006

carta aqui deixada por charlie

Em primeiro lugar esta carta é escrita sem a mínima intenção de ser enviada.
Desde o primeiro instante em que te vi, toda a minha vida se alterou.
Cruzo-me contigo e tenho a alma cheia de poemas para dizer-te mas da minha boca não sai mais que um mero grunhido. A minha face, que ensaio ao espelho até me encandear com o sol que reflecte, não exprime coisa melhor um esgar idiota bem o sei.
Vejo isso nos teus olhos quando me devolves rapidamente o cumprimento e segues flutuando no teu rumo.
Sinto-me o Gregor Samsa.
Um mísero insecto.
Um prisioneiro ridículo do pesadelo de Kafka.
De carapaça rígida, perdida neste corpo incapaz de moldar a expressão à intensidade do tormento em flor que lhe consome a alma.
Sempre te procurei nas outras mulheres que se encantavam nas minhas palavras doces. Nos meus gestos suaves e no embalar divino com que as despia em poemas soltos.
Via-lhes o sol no olhar enquanto por dentro a minha alma sofria por não encontrar-te nos lábios com as quais elas se abriam ao amor por mim sonhado, nos corpos perdidos no infinito dos paraísos que lhes fazia viver ao ritmo da minha íntima infinita infelicidade.
Agora que o destino nos colocou no mesmo caminho, vejo-me impotente para te abordar e para mostrar a verdade de mim que toda a vida fingi. Sou um triste espectador de mim mesmo. Numa peça ensaiada vezes sem fim. Representada infinitamente até à perfeição mais perfeita, mas que teima em ficar muda no palco do grande existir.
Neste momento vou lendo em voz alta à medida que escrevo. Junto a mim está alguém lavada em lágrimas. Disse-lhe tudo o que queria dizer-te e ela veio comigo a caminho do Éden. Procurei o teu infinito no corpo dela. Apenas a aflorei e ficou-me o vazio de sempre.
No fundo sei que também tu vives por encontrar o além que vive nas minhas palavras sonhadas. Por encontrar esse que estás longe de supor por trás da farsa que te mostro. Do nada que vês e que esconde o tudo por que anseias.
Descobri que sou o Inferno.
O meu reino é o sofrer.
Descobri isso ainda há pouco. Sofro por não ter-te e transmito a dor no vazio que deixo às que se me entregam na ilusão da eternidade.
Sofro ainda mais ao ver-me iluminado pela tua luz e não ser capaz de sair das trevas, e iluminar-te ainda mais com a minha chama interior.
Achei-me assim Senhor neste eterno desespero.
Sei agora que me sinto bem no sofrimento de que é feita a minha vida.
Amanhã irei encontrar-te outra vez.
À hora do costume.
Dar-te ei os bons dias com a última expressão que mostraria a uma mulher.
Rir-te às com uma fugidia resposta.
Eu ficarei ardendo em renovadas chamas de miséria e sofrimento.
Elas são o conforto do meu lar...

Charlie

Carta dum suicida, para ti


Quinta-feira, Dezembro 22, 2005

carta aqui deixada por charlie

Sou um suicida.
Gosto de suicidar-me sempre depois do Solstício do Inverno.
Suicido-me porque amo a vida.
Derrubo-me em podridão e nojo de mim.
Abro-me às Primaveras que se seguirão.
A força da Eternidade em sangrias que sugo em sexo das mulheres que me querem possuir, abelhas sequiosas do meu pólen a quem retiro em êxtases absolutos e divinais doses vitais em orgasmos dos quais me alimento desde sempre.Reduzo as à mera mortalidade.
Recomeço sempre como o que sou. Um nada. O epígono da ausência.
Depois, sem que faça nada por isso dou por mim a viver no tempo que é dos outros e sempre dono de grande riqueza.
Nunca fui um primeiro homem.
Não sou das ribaltas.
O meu reino é o da penumbra.
Deixo que me vislumbrem e depois desapareço.
Fui ao longo dos tempos mais recentes Marquês de Monferrat, mas também Conde de Belamy. E ainda Senhor de Surmont e antes conde de Welldone.
Estive nas cortes da Europa mas também na tomada da Bastilha.Em Alexandria e na queda de Jerusalém. No apoio e na queda das agulhas da História.
Sei o efeito que causo.
Atrás de mim fica sempre a inquietação.
Foi a que conheci no rosto de Alexander Cagliostro, quando ele a sua esposa, a Lorenza Feliciani, me visitaram. Na altura eu teria uns duzentos anos, não me lembro bem. Mas recebi-os no meu palácio da Holsácia. O Cagliostro pedira-me uma audiência secreta. Recebi-o no meu templo interior, rodeado de serviçais com incensórios e com o peito coberto de diamantes. Disse-lhe em dois minutos tudo sobre a glória humana. Sobre os homens de Estado e sobre as gentes que repetem sempre os mesmo erros através da História. Sobre os homens como ele a quem chamei de charlatão. Disse-lhe tudo o que tinha dito a Ramses II e a Salomão. A Nabucodonosor e a Gengis Kan. A Pilatos e a Hitler. A Marco Polo e Cristóvão Colombo. Disse-lhes coisas que só poderiam ser ditas por Leonardo. Esse, o da Vinci que fui eu durante o tempo necessário.
Depois as portas fecharam-se e o casal ficou olhando para o vazio.
Em êxtase.
Tinham falado com Deus!
Nessa altura eu era o Conde de St Germain. Depois farto desse ciclo, suicidei-me.
Estive há dias vendo a minha campa. A uns disse que me retirava para os Himalaias em 1790 e que regressaria 85 anos depois. De facto voltei já sob outro nome, para incendiar a biblioteca onde quase me desvendavam.
Sou fundador do Rosa Cruz mas já tinha falado muitos séculos antes com Confucio que me perguntou dando a resposta em sabedorias Orientais.:" e o homem prudente, qual é? Aquele que conhece os outros!"
Eu respondí-lhe"Mais prudente é o que morre, a ele nunca ninguém o conhecerá.”
Morri nessa altura ao passar na grande muralha.
Na verdade não fui eu mas um desgraçado a quem roubei a roupa.
Empurrei-o da muralha e fui para a Europa.
Morri ao lado de Cristo e matei como Átila.
Agora chegou a hora de morrer outra vez.
Estou no fim dum ciclo.
Perseguem-me por toda a parte.
Preciso de encontrar alguém.
Vivo do renascer.
Por isso mando-te esta carta.
Talvez vá bater-te à porta....

Charlie

Carta sem importancia

Sábado, Dezembro 17, 2005

carta aqui deixada por charlie

Olá companheiros.
Muitos não saberão quem sou, mas devo dizer que isso não tem qualquer importância pois nem mesmo eu me lembro de ter visto o meu rosto em lado algum.
Todos os dias saio de casa com uma disposição óptima.
Dou um pontapé numa lata que esteja no caminho.
Ela é culpada de tudo.
Todas as latas que estão no caminho são culpadas.
Aprendi isso com o patrão que me mandou para a rua.
Ele é dono duma das muitas redes de Hipermercados que existe no país.
Dantes eu tinha uma pequena indústria. Ele pedia-me fornecimentos. Depois mais e mais e mais. Precisei de dinheiro, ele entrou como sócio. Inteirou-se de todos os processos e segredos de fabrico. Meteu lá mais dinheiro e a empresa cresceu. A minha parte cada vez mais pequena. Depois deu-me um pontapé. Pôs-me na rua. Da fábrica que fiz com as minhas mãos. Vieram uns seguranças. E rua com ele. Nem disseram o meu nome que dantes repetiam respeitosamente quando todos os dias entrava no escritório:
- Bom dia Sr “X.Y.Z.” Bom dia Sr “X.Y.Z.” Bom dia Sr “X.Y.Z.”........-
Outro pontapé na lataTlim tlim talong pling....ploc...badalong...
Ficou-se junto ao lancil. Bem feita para não estares no caminho. Há um senhor que passa e peço-lhe um cigarro. Acendo-o maravilhado.A gora fumo-o em charuto. Faço argolas acrobáticas no ar. E rio-me em fortes gargalhadas.Hahahahahhahaa. O charuto, este, o último, é duma caixa que ele me ofereceu no dia em que assinámos a sociedade. Se vocês tivessem visto. Veio no jornal e tudo. Houve uma festa na empresa, tudo sorrisos e horizontes cor de rosa. Garrafas de champanhe, mariscos e carnes grelhadas. Prendas para todos. Hehehee...
Vou agora entrar no Hiper cá do Bairro.
É dele. Ele é dono de tudo.
Acho que vou dar pontapés em todas as estantes e deitar coisas para o chão.He he..Estou contente ao entrar. A luz é intensa mas não vejo ainda as estantes. Só portas e paredes. Lá dentro há uns quantos clientes. Todos vestido de branco. Deve ser moda.
Mal me vêem correm para mim. Sorrio para eles. Se calhar reconheceram-me. Gritam: -“Ali está ele, como é que ele ...?”-
Não percebo o resto.
Eu não sei o meu nome...
.Agora estão ao pé de mim.
Estendo-lhes a mão.
Sempre fui uma pessoa generosa com os meus empregados e clientes. Mas eles agarram-me. Dois por trás e um à frente com uma agulha.-Assaltantes- Grito: “ Socorro!”
Não me lembro de mais nada. Não sei quanto tempo passou.
Há já um bocado que estou a escrever esta carta na parede.Não tenho caneta, nem tinta nem papel.
Mas escrevo com saliva.
É o meu passatempo.
Coisa sem importância...
Se ao menos tivesse umas estantes para deitar abaixo....

Charlie

Carta de Maria de Fátima para a mãe

Sexta-feira, Dezembro 09, 2005


carta aqui deixada por charlie
Lisboa, 4 Julho de 2004

Minha querida mãe.
Escrevo-lhe esta carta cheia de saudades e esperando que esteja bem.
Há já três meses que não a gente não se vê.
Eu por cá estou muito bem felizmente e contente com o emprego.
Estou a trabalhar num Salão de beleza muito bem frequentado onde aparecem algumas pessoas famosas das revistas que a mãe comprava quando eu estava aí.
Aprendí depressa, e a patroa gosta muito de mim.
Já me deixa tratar do cabelo das clientes sozinha e até ja me convidou algumas vezes para ir almoçar com ela. Tratou do meu aspecto, pintou-me o cabelo de louro claro e diz-me a brincar que eu pareço uma estrangeira. Farto-me de rir.
Começou a pagar melhor e por isso posso mandar-lhe algum dinheiro. Ao mesmo tempo arranjei um trabalho extra num hotel onde faço umas horas todas as semanas. Estou vendo a vida a pouco e pouco a andar para a frente graças a Deus.
Vem cá uma senhora estrangeira arranjar o cabelo que é dos paises de Leste e diz no falar engraçado dela que eu pareço também da terra dela. Dá-me sempre uma boa gorjeta mas quando se vai embora gosto de imitar o seu modo de falar e rimos muito a minha patroa e eu.
Agora... mãe... vem algo mais difícil e preciso da sua ajuda.
Tenho algo a pedir-lhe mas falta-me a coragem para isso. Como sabes namoro o Filipe há dois anos. Ele tem-me escrito para a pensão mas eu não lhe tenho dado resposta. Na verdade, sinto que a minha vida irá ser em Lisboa e descobri como ele era realmente um bom rapaz mas muito limitado e com uma visão de futuro que não tem nada a ver com o que eu sempre procurei.
Queria acabar o namoro com ele mas não sei como dizer-lhe. Se fosse possível , a mãe poderia prepará-lo e falar com ele. Não queria magoá-lo pois sinto que ele poderia ficar a sofrer.
Tenho de dizer a pouco e pouco, mas preciso que a mãe o fosse mais ou menos fazendo ver que eu já não volto para aí e que por isso o melhor é a gente pôr um fim ao nosso relacionamento.
Mande-me notícias daí para a morada nova que vem no envelope.Agora estou a viver num quarto alugado, pois já saí da pensão. Deverá enviar a carta endereçada para a Tanya, porque a dona da casa também se chama Maria de Fátima e assim ela poderia pensar que a sua carta seria para ela.
Eu disse-lhe que me chamava Tanya quando ela me perguntou se era estrangeira e me disse que se chamava como eu, para não haver confusões com os nomes.
Despeço-me com um grande beijo de saudades.
Sua filha: Maria de Fátima.

Por Charlie

Carta do Padre Alberto para a terra

Quarta-feira, Dezembro 07, 2005

Carta do Padre Alberto para a terra.
carta aqui deixada por charlie

Querida tia.
Em primeiro lugar sou por este meio a desejar que esta missiva a vá encontrar de boa saude, e que assim continue na graça e com a benção do altíssimo Todo Poderoso Pai do Céu nosso Senhor.
O que lhe vou pedir de seguida é uma obra de caridade.
Em muito contribuirá para engrandecer a obra de Deus e será tido em conta no dia do julgamento em que a sua alma prestará contas ao Criador.
No momento em que esteja a ler esta carta, deverá estar a chegar muito em breve, à sua casa, uma pobre paroquiana duma das muitas freguesias que me foram destinadas.
Ovelha tresmalhada, merece de todos nós a suprema entrega ao sopro divino personificado no sagrado exemplo do Senhor que nos ensinou as virtudes da comiseração e misericórdia e conto consigo para esta tarefa que resolvi tomar em mãos para louvor e glória do santíssimo Senhor nosso Salvador.
Decidi assim querida tia, que esta pobre alma, fique hospedada na aldeia durante o período de gravidez na casa da minha falecida mãe, a sua irmã Matilde. Juntamente com ela irá um envelope com algumas instruções para que a tia possa levantar algum dinheiro, quando fôr à vila, para auxilio dessa pobre infeliz.
Ela chama-se Tanya e é Ucraniana e quis o destino que tivesse caído nas mãos do Demo, cedendo às pecaminosas tentações da carne.
Mas como Jesus Cristo filho de Deus fez e deu como exemplo, longe de escorraçar Maria Madalena, usou como lição para todo o sempre umas simples palavras em jeito de pergunta:
-" Quem estiver livre de pecado que atire a primeira pedra"-.
Saibamos todos integrar e fundir nos nossos corações a lição do Senhor e aplicar diariamente o sacramento da caridade, dando a mão aos irmãos e irmãs caídas na tentação do pecado.
De tempos a tempos irei de visita com o fim de prestar todo o apoio espiritual a essa pobre infeliz de molde a re encaminhar essa alma perdida para os santos caminhos do Senhor.
Antecipo desde já os agradecimentos e todo o auxílio que possa prestar-lhe, assim como toda a discrição que deverá acompanhar a sua estada.
O seu sobrinho, que muito a estima,
P. Alberto

Charlie