Texto decifrado entre as nervuras das rochas nas cavernas da invenção da memória

Na caverna, de repente tornada enorme, os restantes membros da tribo ajeitavam-se em redor dos restos das fogueiras projectando efémeras e grotescas sombras pelas paredes. Enormes e assustadores espíritos emergindo de impensáveis ancestralidades, eternos e intemporais...
Org voltou-se fitando o olhar de Ata por um breve instante antes de sumir-se na escuridão que uma lua cheia prestes a romper o horizonte ainda não iluminava.
Iam para a caçada. Preparar as armadilhas para onde encaminhavam as peças a
abater em salvas de flechas e machadadas.
Todas as luas eles saíam passando vários dias e noites fora. Regressavam depois com a carne que a seguir elas, as mulheres, tratavam e preparavam nas fogueiras.
Inspirou fundo e olhou mais uma vez para Cuítsh. Era jóvem, tão jovem quanto
ela e por isso ainda não ia ás caçadas.

Org tinha-a trazido para ali trocando-a por outras mulheres da sua própria tribo como de resto era hábito no vale onde ela tinha nascido.
Chegara um dia ao acampamento onde vivera sempre com os pais. Com ele tantas mulheres como dedos tinha numa mão e após longa discussão e entrega de objectos e amuletos de parte a parte, sentiu-se de repente no meio do grupo juntamente com mais quatro
moças que com ela tinham crescido.
Quase de imediato Org pegara-lhe no braço e pelo cabelo rindo-se enquanto em agitação e no meio das lágrimas e gritos ela olhara numa súplica para a sua mãe que lhe acenara sem expressão alguma no rosto. O coração batera-lhe com violência e ao início, durante dias a fio, chorara no fundo da caverna sem comer nem beber nem, ao menos, levantar os olhos de entre os braços onde mergulhara a cabeça.
Org era um homem bastante mais velho. Chegara por ferozes disputas a chefe da
tribo e apresentava o corpo coberto de cicatrizes.
Brusco e dominador, não se lhe conheciam filhos.
Havia experimentado muitas mulheres, mantinha ainda algumas mas nunca alguma
lhe dera descendência.
Agora porém, desta vez, estava exultante.
Ata começara a mudar as formas do seu abdómen, tinha outro cheiro, e Org não
cabia em si de contente.
Nas últimas luas tinha aumentado a quantidade de caça trazida.
Presenteava-a com as melhores partes das peças abatidas, saía para trazer-lhe frutos de cheiro e sabores doces e preparara-lhe agora um recanto com peles e penas confortáveis.
Ata suspirou mais uma vez e olhou para Cuítsh, disfarçando um curto sinal por
entre as expressões veladas do rosto...

Bem lá ao fundo, por entre ramos da vegetação algo rasteira via-se por uma nesga a entrada da caverna.
Abrigados numa dobra do terreno e deitados ao lado um do outro no que restava dum abraço, Cuítsh e Ata, de corpos gratos e suados, miravam o infinito sob o céu estrelado, enquanto ela de mão sobre o ventre, afagava o Neolítico em suaves passagens de Eternidade e poesia...
Charlie