quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Teria escrito uma carta.

Teria escrito uma carta se tivesse sabido de que maneira

o poderia ter feito.

Não sabia ao certo como tinha ido parar ali. Não me lembrava de ter memórias antigas e sem saber porquê, todo o conhecimento de mim próprio cabia em poucas horas. Muito vagamente umas leves impressões de como olhara para o Sol a pôr-se antes do anoitecer que agora terminava. Umas deambulações por aqui e por ali meio perdido, e depois, sem ter noção precisa, o aparecimento naquele espaço onde agora me encontrava, e onde descansara sem saber em que sítio exacto, deixando-me envolver pelo manto suave do cansaço após ter fixado o meu olhar na beleza daquele ser que estava ali. Deitada à minha frente...

Os primeiros raios a ameaçar rebentar o horizonte, ao entrar pelos rasgos da persiana, fizeram-me despertar e inspirar fundo o puro gozo de existir.
Estava dono duma leveza inebriante, ultrapassando os limites dum corpo que nem sentia, e todo o espaço me cabia num gesto.

Olhei para um lado e para outro, mudei de posição sempre com ela na mira. Era linda, toda suavidade e maciez, um hino à feminilidade despertando todos os quereres. Atrevi a aproximar-me levemente do seu ombro, tocá-lo e saborear o suave aroma que a sua pele exalava, mas hesitei no último instante. Não sabia como ela iria reagir ao meu afago, ao meu toque, e agora que estava tão próximo dela, todo o desejo avivava, fazendo crescer a agua na boca, mas no último instante resolvi adiar por momentos o encontro com o meu desejo. Senti o calor do seu corpo e de como ela nesse mesmo momento, ao mover-se na cama, despertara do seu sono.
Afastei-me devagar de forma discreta sem que tivesse dado pela minha presença. Ali para o fundo do quarto onde fiquei olhando para ela que entretanto se levantara.
Mesmo sentindo que não tinha corpo escondi-me atrás das franjas do cortinado que estava aberto, expondo as nesgas da persiana por onde o ar fresco entrava, enquanto seguia como ela deambulava pelo quarto e expunha toda a sua nudez apetitosa aos meus instintos e apetites. As curvas do corpo, o brilhar dos olhos, o convite dos lábios húmidos, o mundo dos aromas que me chegavam aos sentidos.

Saiu e voltou depois duns minutos exalando vapores e aromas novos, adocicados. O cabelo molhado que ela massajou com uma toalha e que sujeitou depois à disciplina dum pente. Vestiu um roupão e foi para outro compartimento.
Resolvi segui-la. Agora era uma cozinha. Cheiros muito diversos enchiam-na por completo e olhando melhor para ela via agora como expunha uma orelha por entre a suave nuvem de cheiros que saíam do seu cabelo ainda húmido. Abriu uma porta e tirou um recipiente. Encostou-o à boca e de olhos fechados deleitou-se lenta e gostosamente. Foi então que me aproximei do ouvido exposto por entre a sinfonia de tons reflectidos vagamente pelo sol a nascer e que através da janela incendiavam o cabelo em doces chamas e nuanças. Cheguei-me lentamente a ela, cada vez mais próximo, até ficar a um mero nada de dar-lhe um beijo, de passear-me por ela e saborear a beleza do seu corpo....

Assustei-me pois repentinamente ela pareceu ter dado pela minha presença, rodando a cabeça com os olhos a seguir vagamente onde eu poderia estar. Não sei como ela deu por mim, pois nem eu próprio tenho noção de ocupar espaço algum.
Escondido por trás dum armário vi como ela mexeu num botão na parede.
Um milagre tomou repentinamente forma. Toda uma alegria se instalou de forma inesperada naquele recinto. Tudo ficou inundado duma luz intensa e bela. Uma verdadeira maravilha, um paraíso para os sentidos sob aquele apelo irrecusável de beleza e excelência. Todo o espaço ficou recheado dum jogo extraordinário de efeitos de cor e brilhos irreais, verdadeiros prodígios para o sentido da visão.
- Que maravilha! -pensei. Por um instante esqueci-me dela e com toda a luz no olhar desloquei-me atraído pela dança que se espalhava pelo recinto da cozinha. Por todo o lado a luz me inebriava e atraia, mas ali, num ponto que de repente descobrira, tudo era mais belo e apelativo, toda uma grandiosa sinfonia de luz a correr em nascente me chamava e dava-me corpo.
Quase que me tinha esquecido da mulher que agora parecia estar a ver-me. Levado pela minha alegria passei novamente junto a ela, e enquanto me deslocava na direcção da fonte em cascata de todo aquele fantástico apelo, olhei-a maravilhado nos olhos. Sorria-me e eu sorri para ela um mero instante antes de sentir todo o meu ser atravessado por uma forte vibração ao mesmo tempo que toda a luz se incendiava para me deixar depois mergulhado na completa escuridão sem que tivesse mais noção do meu existir...

Cá em baixo, com o pacote de leite encostado aos lábios, ela bebia a satisfação da vitória rápida sobre a incómoda mosca que desde a manhã a perseguira...

33 comentários:

*Um Momento* disse...

Hum...
Mergulhei de tal forma neste texto...
Sensações fortes, impulsivas,maravilhosas...
( mas a mosca tem uma sensualidade!!!!)
Adorei!!!
Dia lindo!!
Deixo um beijo sorridente

(*)

*Um Momento* disse...

E dois

Zzzzzzzzzzzzzzzzz

:D

Beijo grande
( a sorrir mesmo!!!!)

(*)

fairybondage disse...

Agora mais do que nunca, senti o desejo de ser mosca... de ser pequeno e ver o mundo de forma simples e ao mesmo tempo eeeeenoorme!!!lol

Adorei!!! Perdi-me completamente na palavra, no fluir do movimento... do voo!

Lindo

mil beijinhos

Lúcia Laborda disse...

Viajei nessa carta, viu? Até já tinha previsto outro fim. Adorei! Engraçado como o cheiro fica... Como nos embriaga, quando estamos apaixonados...
Fique com Deus! Beijos

SILÊNCIO CULPADO disse...

Meu Deus como escreves com tanta emoção, com tanta garra! Como emprestas movimento e vida a tudo o que apresentas. Força, não desistas!

redonda disse...

Achei o máximo. Super bem escrito e surpreendeu-me o final (fiquei com pena da mosca).
Beijinho e bom fim de semana.

Paulo disse...

Só faltam mesmo as "cartas portuguesas" de Mariana do Alcoforado.

Blogue interessante...

Abraço
Paulo

*Um Momento* disse...

Voei até aqui...
Fugi da luz... para te ver a ti Dei-te um beijo
Para uma noite serena:o)
(*)

RB disse...

um encanto especial que me trouxe aqui e me deixou de coração repleto de força.
obrigada.
um beijo meu

RB disse...

obrigada pelo teu comentário que se tornou enriquecidor, pois é na verdade uma visão obcura para nós mulheres...
talvez no pegadas, tenhamos visões na mesma perspectiva... por vezes, quem sabe..
um beijo meu

*Um Momento* disse...

Voando aqui cheguei
Para te desafiar:D
Tzzzzztzzzzzzzzzz
Passa na minha casinha , para a minha curiosidade matar:))
Beijinho de noite linda :))

Anônimo disse...

Que sensibilidade! Só mesmo quem possui o domínio da palavra consegue aliá-la à emoções tão fortes a ponto de transformar um momento fugaz, rotineiro, banal, em algo tão profundamente sentido, tão poeticamente lindo!

Deixo-te pétalas de mimosas flores, um beijo no coração, e votos de uma tarde de sábado linda, prenunciando um domingo de alegria e paz.

Sant'Ana disse...

Exercicio de voyuerismo levado ao extremo, com todos os detalhes, sons, cheiros, tiques femininos.

Repetindo-me: excelente.

Um beijo.

Menina do Rio disse...

Charlie! Ai, eu me envolvi de tal forma que quase me perco...
Essa mosca é macho, afff...Veja só o poder das palavras!

Beijos

Lúcia Laborda disse...

Oie meu amigo lindo, das doces palavras e das cartas maravilhosas. Passando pra deixar beijinhos.
Que sua semana seja de grandes realizações! Fique com Deus!

Maria disse...

Bom dia Charlie.
Obrigada pelo comentáriosobre o mergulho. É bom encontrar alguém que conhece estas sensações, que as vive de forma intensa, com alma. gostei de o conhecer.
Li esta sua carta de soslaio mas, promete. Vou ler com mais calma.
Parabéns

Anônimo disse...

uau!tu simplesmente surpreendes!e a foto esta um maximo!beijoca1!

Páginas Soltas disse...

Uma carta muita linde de se ler!

Mergulhei de tal forma na leitura... Que " VIVI" o que lá estava escrito!

Obrigada pela visita...

Desejo de uma óptima semana

Beijos da

Maria

Maria disse...

Se não fo iuma carta o que escreveste então? hehehe
Vou voltar.

sonia regina disse...

já havia lido na lista e gostado muito, muito.
Um verdadeiro suspense: nao entrega de graça, mantém a gente ligado, desejando, até, nem chegar ao final, tao gostosa é a leitura. parabéns! e o final, um impacto! fecho de ouro!

bjs

sonia [soreg]

Espaços abertos.. disse...

A emoção é um dos sentimentos mais visíveis no teu maravilhoso texto.
Bom início de semana
Bjs Zita

Anônimo disse...

verdade?

*Um Momento* disse...

Deixo cair um beijo...Em Ti
(*)

Dia lindo!!

LUIS MILHANO (Lumife) disse...

Caro amigo o tempo não tem permitido uma leitura atenta destas maravilhosas cartas mas já pressentia desde os primeiros comentários que recebera que aqui estava um escritor que muito tem para dizer.

Se dúvidas houvesse é só ler os comentários dos visitantes e asua plena aceitação.

É preciso dar a conhecer a mais amigos este espaço onde os escritos nos prendem desde as primeiras palavras. É um dom que deve continuar a partilhar.

O Beja irá destacar o seu blog.

Um abraço

Lúcia Laborda disse...

Oie lindinho, passei por aqui e deixei beijinhos
Fique com Deus!

Martinha disse...

Gostei desta carta.
Gosto da tua maneira de escrever. São umas cartas interessantes. :)
Beijo *

Anônimo disse...

DESCULPA SE Ñ TENHO VONTADE PARA LER O TEXTO...................

SOU DEMASIADO PRAGMÁTICA PARA ACREDITAR NAS COISAS QUE LEIO.

DE QQR MODO, AQUI DEIXO O MEU SALUDO, QUE Ñ É LIBIDINOSO.

lux dixit.

Anônimo disse...

Olá a todos os amigos e amigas que fazem o favor de dispensar alguns segundos para ler estas simples cartinhas sem valor.
Muito obrigado pela gentileza das palavras com que me brindam.
Em relação à última visitante anónima também sou a agradecer as palavras que lhe li mesmo que ela tenha dito que não tenha lido as minhas. No que toca ao pragmatismo que refere faria no entanto bem em ler esta carta, pois se há coisa pragmáticamente garantida é um sorriso diferente se ler da a forma como ela termina.
Talvez um dia tenhas vagar...
Seja como fôr, obrigado pela visita e o comentário e para ti também um beijinho e votos duma bela semana. ;)

Carlos.

luz disse...

Caro Carlos!
Nem sou anónima nem pragmática........somente é que ñ gosto muito de gajas nuas nas cartas dos "escrevedores" blogosféricos.

O meu ñ gostar de gajas nuas tem que ver com o meu corpo, porque ñ gosto nem uma gramo dele.

Enquanto ao resto, falaremos na nossa primeira clase de "aulas de portuñol para estrangeiros grátis-free que oferece mulher madura do outro lado da peninsula".

OLHA QUE O MEU ESAME DE PORTUGUÊS É NO MEIO DE SETEMBRE.

luz disse...

UM DIA AS LEIO,PROMETO.

MAS TEM CUIDADO COMIGO, QUE DIGO SEMPRE O QUE PENSO.

Ñ SOU PESSOA DE MANDAR BEIJINHOS SEM MAIS NEM MENOS.

Anônimo disse...

Olá Luz.
Na verdade eu gosto de gajas nuas e publica-las eí sempre que os textos que escrevo tenham algo a ver com isso. Sou Homem, género masculino heterosexual sem fobias em relação aos que não o sejam.
O texto não é erótico nem pornográfico. Tem talvez umas passagens levemente sensuais e não mais que isso.
Quanto aos meus gostos, sou um homem, como disse, perfeitamente normal, sem uma centelha que me distinga dos meus semelhantes.
Gosto de mulheres lindas e inteligentes, ou inteligentes e lindas,com preferência para a beleza intelectual já que a beleza fisica após a vertigem do primeiro impacto torna-se lugar comum e cansa. Cansa como cansa uma paisagem de tirar a respiração após umas semanas em que se exaura e esgota no desejo de infinito do nosso olhar.
Sobre a relação com o teu corpo haverá muito a conversar. O corpo é o envólucro de nós mesmos. A nossa embalagem, o nosso cartão de visita, a nossa verdade às vezes, mas quase sempre, mais a nossa mentira.
Mentimos aos outros pelo que parecemos ser. Que terrivel seria se nos vissem mesmo por dentro; como somos de verdade, as nossas fraquezas e as nossas intimas crueldades. Somos tão miseravelmente maus e fazemos tanto mal a esse eu que se esconde por trás das nossas muralhas.
No entanto uma ocasião haverá em que seremos postos perante nós mesmos, diante do espelho que nos mostra como somos e aí teremos de nos aceitar e viver connosco. Sem dramas nem sofrimentos e traumas.
Somos como somos e é esse o nosso património, a nossa riqueza única e irrepetível. Remeteria se possivel a Sheakespeare na sua frase " to be or not to be, that is the question..."
E no fundo é isso que importa; ser ou não ser...
Deixo-te um beijo sim e vejo em ti algo que não me cansa...

luz disse...

Tu és inteligente..............beijo.

MANDALAS POEMAS disse...

Hola, gracias por tu visita y tu comentario. Que honor para mi que mi blog aparezca en un link del tuyo.

Un abrazo,


Víctor