segunda-feira, 28 de julho de 2008

Carta dum caminhante

Estou a fazer uma curta pausa.
Não sei há quantas horas caminho por esta praia sem fim.
Tenho os olhos tão fechados pela intensidade do sol e o branco da areia, que me doem todos os músculos do rosto pelo esforço feito ao confiná-los a uma linha atrás da qual observo o azul profundo desse apelo determinante do meu ser.
O peito aspira os intensos aromas trazidos pelo vento; ora com a frescura do mar a desfazer-se a toda a hora em espumas, ora tórrido e ressequido, vindo da terra com os seus cheiros distantes de erva seca e folhagens em penitência.

Não sei bem quem sou nem onde estou, para dizer a verdade, não faço sequer qualquer ideia pois desde que dei por mim neste sitio deitado no areal debaixo dum céu coberto de estrelas, ainda não vi uma alma que fosse.
Sob a noite que clareava fui observando por entre as neblinas - que rapidamente se iam esvanecendo à medida que a luz crescia - a lonjura ora para um lado ora para outro; para me situar, para decidir qual o rumo a tomar embora, então como agora, se assuma algo difícil fixar referências neste areal tão igual e extenso que se perde de vista seja qual for a direcção que os olhos sigam.
Finalmente decidi-me.

Encetei esta caminhada na certeza de ter que chegar a um lugar qualquer, e munido do meu propósito firme, andei desde os primeiros raios de sol - mal estes espreitaram por trás do horizonte - até à quase exaustão, quando surgiu de súbito uma esperança no caminhar que a certa altura ameaçava ser sem sentido.
Senti-me então animar e acelerei o passo. Tinha a certeza de estar no bom caminho e confiante continuei, já com mais vontade, mais querença, diria, mais certeza.
Andei sem medida nem tempo, certo de estar próximo de chegar a alguma parte, fosse qual fosse, embora o areal continuasse tão extenso nessa altura como horas atrás quando tomara conta deste empreendimento.
Continuei a andar, sem noção precisa de espaço nem de tempo, num penoso continuar de passo após passo, ora todo querer, ora arrastando o soçobrante cansaço, rumo fixo no horizonte.
Depois, já esgotado, senti por breves instantes a invasão amarga do desânimo, mas quis o Destino que algo de extraordinário voltasse a acontecer e por isso fiz esta pausa, para retemperar forças e escrever estas linhas.

Cheguei a este ponto onde descanso e estou imerso numa profunda alegria, um contentamento tão grande que nem encontro palavras para exprimir.
Toda uma enorme euforia tomou conta de mim, pois sinto estar a chegar ao fim desta caminhada de horas intermináveis e que ainda há minutos ameaçava ser infinita.
Levanto-me exultante e todo eu sorrio de alegria.
Agora que já descansei vou retomar o caminho que resta.
É possível que não esteja já longe de chegar a algum lado pois às pegadas que eu encontrei na praia - depois de muito andar- e que ando a seguir há horas, se juntaram outras.
Devo estar próximo, muito próximo...


Charlie

23 comentários:

Anônimo disse...

É tão intensa a tua escrita que nos sentimos levados a também participar desta 'parada' onde as reflexões chegam de forma a determinar que rumo tomar. E vamos seguindo contigo, juntando nossos passos aos teus, felizes por ver que já existem pegadas na areia e que, mais a frente, algum porto há de estar... talvez para mais uma parada e, finalmente, o mergulho no mar. Belo texto, amigo, como todos os teus!

Parabéns pela participação no livro que, tenho certeza, deve ter sido um sucesso com momentos gratificantes dentro do evento em que foi lançado.

Ficam flores e estrelas tecendo sorrisos no teu caminhar, um beijo no coração, e o desejo de horas lindas a enfeitar tua semana.

Martinha disse...

Que bonito :)
Nessa praia que parece sem fim, o caminhante vai percorrendo o seu caminho, sempre despertanto em nós as suas melhores sensações de alegria e uma profunda leveza da alma! :)
Beijo *

Anônimo disse...

5*

Anônimo disse...

Leio-te e sei o que te vai na alma
Desse passar pelos mesmos lugares, ilusão em ilusão, vivendo, como dizes tantas vezes, náufrago, intensamente cada passo dado. No horizonte o sonho, na vida real, a infindável solidão.
Sei-te da alma gémea algures.
Nunca desistas de encontrá-la, por mais e mais vezes que pises e voltes a pisar os mesmos igratos areais. Como escreveste no mail" por mais que regressem os teus passos aos olhos novos com que vês os passos dados anteriormente".
Sei o que custa o recomeçar, o voltar a errar, o aprender a merecer o bocado que a vida me deve.
Carlos: obrigada por este texto.
Acho que foi escrito para mim.

Luisa.

Anônimo disse...

Oie lindinho! Super feliz em lhe rever. Que bom! Que essa caminhada tenha revigorado suas forças e lhe trazido ânimo para continuar. Não importa a que porto tenha chegado, mas se chegou bem e está feliz, fico feliz com você...
A vida é assim. Cheia de percalços e caminhos tortuosos, mas temos que passar, na esperança de dias melhores. Só enfrentando dificuldades, aprendemos verdadeiramente a viver e valorizar o que, com sacrifícios conquistamos.
Estava com saudade de você e das suas maravilhosas cartas, que possuem um valor imenso.
Bom domingo! Beijos

MARIA disse...

Parabéns pelo texto . Está sublime sob vários pontos de vista.
Um beijinho e boas férias se for o caso.
Maria

Anônimo disse...

Passando em busca de nova postagem. Não encontrando, reli, enterneci-me, encantei-me. E vou passando, salpicando estrelas no teu sonhar, flores nos teus caminhos, sorrisos no teu coração.

Anônimo disse...

gostei do seu blog! =)

Rato Mickey disse...

Passem por aqui e comentem

http://umabestaqualquer.blogspot.com/

Saudações

Anônimo disse...

Saio do mundo das cartas que nunca enviarei para vir buscar nas cartas que dizes serem sem valor alguma coisa que me leve para junto do mar... aqui sempre encontro, meu amigo! Como neste texto que extraí de uma das tuas postagens:

“Depois descobri a ilha rente à lua ás portas do horizonte e chorei a distância em mares e oceanos. Agora tudo secou e dos meus olhos só saem grãos de saudades duma ilha onde nunca estive...”

E carregando esta ‘verdade’ aninhada dentro d’alma, saio do teu espaço deixando que sorrisos de mimosos anjos espalhem flores e estrelas no teu caminhar, ficando também um beijo do meu para o teu coração.

Graça Pires disse...

Belo texto. Sem querer seguimos o mesmo caminho, as mesmas aflições as mesmas esperanças. Um abraço.

Anônimo disse...

:-) feliz por ti...

teresa

Anônimo disse...

... e continua este andar solitário por esta ilha algures no fundo de mim.
Os passos que encontro já nem me lembro dos ter dado, mas só podem ser os meus.
Na ilha não há mais ninguém a não ser eu e a minha ilusão, a minha loucura.
E continuo caminhando, há de haver nalgum lugar, alguma chegada...

Menina do Rio disse...

As vezes desanimamos, cansados da andança, mas é certo que em algum ponto haverá um barco...

Charlie, gosto imenso de andar contigo por esta ilha solitária.

Claro que podes pegar o poema. Fico muito feliz quando alguém gosta e não me incomoda que o leves. Leve o que quiseres

O que me chateia são as pessoas que pegam os textos na net e dedicam a outras sem citar o autor, só pra fazer bonito

Um beijinho pra ti

Ricardo Pulido Valente disse...

poesia;)

Teresa Durães disse...

a distância como infinito

dade amorim disse...

Muito bonito seu texto, Charlie, de muito simbolismo. Em algum momento me fez lembrar de Clarice Lispector, que falava sempre de suas caminhadas interiores.
Obrigada pelo comentário igualmente intenso que você deixou no blog.
Beijo para você.

Anônimo disse...

Amigo, um primor de versos deixaste no meu espaço no teu último comentário. Um mimo ao coração! Grata!

Não encontrei por aqui uma nova postagem mas me ative ao teu comentário aqui resgistrado, e me atrevo a passear por ele, a parafrasear os versos profundos que ele encerra...

Continua meu amigo, neste teu andar solitário por esta ilha que lá no fundo de ti espera pela tua visita... mesmo que não te lembres dos passos que já foram dados e que pelos caminhos tu encontras, acredite, são mesmo os teus. Talvez na tua ilha já não haja mais ninguém a não ser tu e a tua ilusão, a tua loucura, mas
continue caminhando, amigo, pois há de haver em algum lugar do teu caminho, alguma chegada...

No desejo de que estejas bem, aqui deixo um ramalhete de flores do campo para perfumar a tua alma, um punhado de estrelas para guiar o teu sonhar, e um beijo do meu para o teu coração, com carinho.

Anônimo disse...

Porque é no horizonte, para lá da compreensão, que muitas vezes encontramos a esperança e prosseguimos caminho.

Que esse caminho te traga de volta...

Um abraço carinhoso e tudo de BOM ;)

Anônimo disse...

Obrigado pelo retorno Beatriz
É verdade...
Há bocados de pele que vão ficando pelo caminho.
Lentamente, um verso aqui, o dobrar repentino duma esquina de insónia, uma lágrima ali.
E vamos ficando por esse andar que se enche de pó e secura. Farripas agarradas aos espinhos, e restos de gotas de sangue já só feitas de castanho e cinza.
E sabendo que se caminha, ainda mais dói o saber que não se fica.
Mas navegar, como diz Pessoa, é preciso, viver não é preciso.
E ela, a vida, avança e nós, à sua babugem, vamos levados pelas vagas queiramos ou não rumo a um destino que embora pensemos ser nosso, é apenas seu.
Retribuo os beijos do coração.
E flores sim, muitas flores, que os campos são céus e elas estrelas.

Anônimo disse...

Oie lindinho! Vim lhe ver e desejar um bom fim de semana! Beijos

dade amorim disse...

Podemos dizer "até breve"?
Bom fim de semana e um abraço.

Anônimo disse...

claro que estás. corto