quinta-feira, 24 de abril de 2008

A Liberdade

A Liberdade.

Conheci a Liberdade pela altura do 25 de Abril de 1974.
Era na época militar por dever e durante algum tempo passei a sê-lo com gosto.
Olhámo-nos nos olhos, sem nada dizer, e de imediato despertou em nós a ponte que liga os corações apaixonados.
Ia no Metro para encontrar-me com amigos algures na zona de Entrecampos mas sai logo junto com ela nas Picoas.
Era uma rapariga mais jovem que eu, todo ela promessa de mulher.
Não lhe disse nada nem ela me perguntou o que fosse.
Entregámo-nos logo um ao outro e amámo-nos sem peias ou amarras, sem limites ou planos de futuro, com a sensação de termos atingido o momento definitivo das nossas existências.
Não estabelecemos compromissos nem alianças.
Não fizemos planos para o Futuro. Não lhe pedi juras de amor eterno nem lhe ofereci nada nem ela me deu mais em troca do que era uma dádiva mútua generosa e única. Bastava-me tão só te-la, a Liberdade.
Passeámos muitas vezes pelas ruas, e toda a gente olhava para nós. Sentia que todos amavam a Liberdade e que amavam o nosso amor.
O tempo passou.
O que era eterno e imutável passou a ser só um episódio das nossas vidas.
Deixei de vê-la.
Troquei a Liberdade por outras paixões que me vieram cruzar o caminho.
As paixões foram sempre inimigas da Liberdade...
Há tempos atrás voltei a vê-la.
Estava mais velha que eu.
Chorei ao reencontrar-me com ela.
Beijei-a e disse-lhe tudo o que me ia na alma.
Mas ela secou-me as lágrimas e disse-me que fora sempre assim através dos tempos.
A Liberdade será sempre a jovem generosa que trocamos por outros valores em maior ou menor grau.
Contou-me as peripécias destes últimos anos.
Do amor que dera a todos.
Dos que quiseram apropriar-se dela.
Dos que a maltrataram, dos que a quiseram acima de tudo e que por ela haviam dado a vida.
Olhei os seus olhos cansados e revi-me no reflexo do seu brilho apagado.
Olhámos um no outro durante uma eternidade enquanto ela afagava as minhas rugas.
Falámos um longo período, revendo rostos revivendo tempos...
Por fim disse-me que se iria embora.
Iria talvez sair do País.
Iria procurar um sítio onde estivessem ansiosos por ela.
Lá talvez voltasse a encontrar numa paragem de Autocarro ou num Metro um jovem que a amasse eternamente.
Despedi-me dela com um longo beijo.
Foi a última vez que vi a Liberdade....

Charlie


(Escrito em 2005)

21 comentários:

Martinha disse...

É uma carta muito bonita, a propósito da liberdade, e da data que comemoramos amanhã (25/04 - dia da liberdade). A liberdade é fundamental para tantas coisas, mas sobretudo para o entendimento entre as pessoas. Mas para que possamos usufruir dela, temos que ter responsabilidade. Estes dois valores andam sempre de mãos dadas.

Um beijo Charlie *

Um Momento disse...

Ainda arrepiada ... sentindo a dor que se apoderou da Liberdade ao querer sair do País ...sentindo o lacrimejar do jovem agora adulto por se sentir "preso ", nada poder fazer para ajudar a Liberdade a voltar a sorrir... a voltar a ser Livre...a voltar a ser quem era...
Nas tuas palavras o sentir de um coração que amou a Liberdade tal qual ela era... tal qual ela é...

Mais uma carta que me delicia ,que me prende a cada palavra tua...
Muitos Parabéns, os mais sinceros que possas imaginar!

Um beijo em LIBERDADE!!!

(*)

Menina do Rio disse...

É um belo amor. Sem cobranças, sem amarras...Até o dia em que nos ocupamos em nos aprisionar e deixamos a Liberdade partir de nós...
Olha Charlie; esta carta fala de lembranças que todos temos e é dolorosa, mas sempre somos nós que escolhemos seguir livres ou não...

Já tinha saudade de te ler

Sensualidades disse...

sera que alguma vez somos lvres??


Jokas

Paula

Charlie disse...

Nunca somos de facto livres.
Para isso teriamos de ser donos da Liberdade. A liberdade é a vadia dona de si mesma, que nos toca ao de leve e que se vai embora. Não é de ninguém e paradoxalmente, quanto mais se faz para a conquistar, menos liberdade se tem, mais longe ela se põe.
Ai esse fim de tarde
tão cansado e suado
para que a vivesse em liberdade...
Em que o momento do por do Sol
se perde por entre os olhos
fechados à presilha do cansaço.
E o corpo?
E a liberdade?
Tão longe, tão longe...

MARIA disse...

Olá Charlie, hoje vim até cá num meio de transporte que livre de quaisquer amarras nos conduz ao planeta dos sonhos, onde as mais maravilhosas coisas acontecem.
E deixo-o para si, para que circule livre pelos sonhos até onde possa ser feliz.
Passe no meu blog sff, porque tudo parece filosófico, mas não é : é apenas um miminho que lhe dá deixei - uma bicicleta florida- oxalá o leve onde mais deseja !
Um beijinho
Maria

Anônimo disse...

E liberta em pensamentos... presa á saudade...
Passo por aqui para te deixar um terno beijo ...
A Liberdade...tens toda a razão...
Passeia-se por aí...
Não a podemos prender, nem a tomar como nossa...apenas podemos usufruir dela , e ela sorri-nos...até um dia em que se nos escapa... mas enquanto não... sejamos livres:))))))))))

Beijo IMENSO...em ti

(*)

paper-life disse...

A Liberdade só existe dentro de nós. Não pare no 25 de Abril ou um dia, ao acordar, dá por si já sem ela.

Abraço.

Um Momento disse...

Hoje trago uns miminhos para ti:)

http://momentosmimados.blogspot.com/2008/05/liberdade-florida-berta-helenagrata.html

E ainda

http://momentosmimados.blogspot.com/

Deixo um beijo na saudade ... no teu coração

(*)

Anônimo disse...

A Liberdade tem um preço bem alto...
Olá, como vais?
T.

Anônimo disse...

Um dia o centro o mundo voltará a ser um sonho de verde e mar a desfiar o escuro dos teus olhos à beira das falésias.
Pegar-Te ei, perdido no fundo de ti, e de lábios colados, rodopiaremos os corpos ao redor um do outro.
Por um passe de magia acordaremos no Parque dessa cidade que senti minha e o céu será pequeno demais para albergar o voo de tanto beijo que se esconde, esconso, atrás do peito do horizonte.
E deixo passar a vida sem pressas nem angústias para que ela, sonho meu, a viva como quiser...

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
LUIS MILHANO (Lumife) disse...

..."A Liberdade será sempre a jovem generosa que trocamos por outros valores em maior ou menor grau.

Contou-me as peripécias destes últimos anos.
Do amor que dera a todos.
Dos que quiseram apropriar-se dela.
Dos que a maltrataram, dos que a quiseram acima de tudo e que por ela haviam dado a vida.

Iria procurar um sítio onde estivessem ansiosos por ela..."

Um quadro maravilhoso transmitido numa carta valiosa pelo amigo Carlos.

Aguardamos notícias em nova Carta pois precisamos de palavras que nos encham o coração.

Um abraço muito amigo

Elvira Carvalho disse...

Mais uma bela carta, onde se fala das decisões que todos tomamos, e das escolhas que tanta vez não sabemos fazer. Como sempre fico encantada.
Um abraço e bom fim de semana

Um Momento disse...

Passei para deixar um terno beijo abraçado ao desejo de um lindo Fim de Semana:)

(*)

náufrago do tempo e lugar disse...

Sim, a Liberdade escapa-se-nos por entre os dedos da alma como a areia por entre os dedos peregrinos de um tuaregue.

O ranço salazarista


Cada vez mais nos afastamos uns dos outros. Trespassamo-nos sem nos ver. Caminhamos nas ruas com a apática indiferença de sequer sabermos quem somos. Nem interessados estamos em o saber. Os dias deixaram de ser a aventura do imprevisto e a magia do improviso para se transformarem na amarga rotina do viver português e do existir em Portugal.

Deixámos cair a cultura da revolta. Não falamos de nós. Enredamo-nos na futilidade das coisas inúteis, como se fossem o atordoamento ou o sedativo das nossas dores. E as nossas dores não são, apenas, d’alma: são, também, dores físicas.

Lemos os jornais e não acreditamos. Lemos, é como quem diz – os que lêem. As televisões são a vergonha do pensamento. Os comentadores tocam pela mesma pauta e sopram a mesma música. Há longos anos que a análise dos nossos problemas está entregue a pessoas que não suscitam inquietação em quem os ouve. Uma anestesia geral parece ter sido adicionada ao corpo da nação.

Um amigo meu, professor em Lille, envia-me um email. Há muitos anos, deixou Portugal. Esteve, agora, por aqui. Lança-me um apelo veemente e dorido: “Que se passa com a nossa terra? Parece um país morto. A garra portuguesa foi aparada ou cortada por uma clique, espalhada por todos os sectores da vida nacional e que de tudo tomou conta. Indignem-se em massa, como dizia o Soares.”

Nunca é de mais repetir o drama que se abateu sobre a maioria. Enquanto dois milhões de miúdos vivem na miséria, os bancos obtiveram lucros de 7,9 milhões por dia. Há qualquer coisa de podre e de inquietantemente injusto nestes números. Dir-se-á que não há relação de causa e efeito. Há, claro que há. Qualquer economista sério encontrará associações entre os abismos da pobreza e da fome e os cumes ostensivos das riquezas adquiridas muitas vezes não se sabe como.

Prepara-se (preparam os “socialistas modernos” de Sócrates) a privatização de quase tudo, especialmente da saúde, o mais rendível. E o primeiro-ministro, naquela despudorada “entrevista” à SIC, declama que está a defender o SNS! O desemprego atinge picos elevadíssimos. Sócrates diz exactamente o contrário. A mentira constitui, hoje, um desporto particularmente requintado. É impossível ver qualquer membro deste Governo sem ser assaltado por uma repugnância visceral. O carácter desta gente é inexistente. Nenhum deles vai aos jornais, às Televisões e às Rádios falar verdade, contar a evidência. E a evidência é a fome, a miséria, a tristeza do nosso amargo viver; os nossos velhos a morrer nos jardins, com reformas de não chegam para comer quanto mais para adquirir remédios; os nossos jovens a tentar a sorte no estrangeiro, ou a desafiar a morte nas drogas; a iliteracia, a ignorância, o túnel negro sem fim.

Diz-se que, nas próximas eleições, este agrupamento voltará a ganhar. Diz-se que a alternativa é pior. Diz-se que estamos desgraçados. Diz um general que recebe pressões constantes para encabeçar um movimento de indignação. Diz-se que, um dia destes, rebenta uma explosão social com imprevisíveis consequências. Diz a SEDES, com alguns anos de atraso, como, aliás, é seu timbre, que a crise é muito má. Diz-se, diz-se.

Bem gostaríamos de saber o que dizem Mário Soares, António Arnaut, Manuel Alegre, Ana Gomes, Ferro Rodrigues (não sei quem mais, porque socialistas, socialistas, poucos há) acerca deste descalabro. Não é só dizer: é fazer, é agir. O facto, meramente circunstancial, de este PS ter conquistado a maioria absoluta não legitima as atrocidades governamentais, que sobem em escalada. O paliativo da substituição do sinistro Correia de Campos pela dr.ª Ana Jorge não passa de isso mesmo: paliativo. Apenas para toldar os olhos de quem ainda deseja ver, porque há outros que não vêem porque não querem.

A aceitação acrítica das decisões governamentais está coligada com a cumplicidade. Quando Vieira da Silva expõe um ar compungido, perante os relatórios internacionais sobre a miséria portuguesa, alguém lhe devia dizer para ter vergonha. Não se resolve este magno problema com a distribuição de umas migalhas, que possuem sempre o aspecto da caridadezinha fascista. Um socialista a sério jamais procedia daquele modo. E há soluções adequadas. O acréscimo do desemprego está na base deste atroz retrocesso.

Vivemos num país que já nada tem a ver com o País de Abril. Aliás, penso, seriamente, que pouco tem a ver com a democracia. O quero, posso e mando de José Sócrates, o estilo hirto e autoritário, moldado em Cavaco, significa que nem tudo foi extirpado do que de pior existe nos políticos portugueses. Há um ranço salazarista nesta gente. E, com a passagem dos dias, cada vez mais se me acentua a ideia de que a saída só reside na cultura da revolta.



APOSTILA – Rui Santos, comentador da SIC, na área do futebol, foi alvo de tentativa de agressão, no parque de estacionamento daquela estação televisiva. Quatro meliantes encapuçados (um, no interior de um automóvel; os outros, de trancas nas mãos) cercaram o jornalista, que lá se defendeu conforme pôde. É um incidente de tal gravidade que as autoridades terão de agir com a rapidez determinada pela própria natureza do crime. Porque de crime se trata. Não é, apenas, Rui Santos que está em jogo. É a própria liberdade de expressão que foi (e está, sei muito bem do que falo) ameaçada. Um abraço solidário para Rui Santos.


Baptista Bastos (b.bastos@netcabo.pt), in Jornal de Negócios (29FEV2008)

__________

Parabéns pelos magníficos textos, e o meu obrigado por os "Castelos de Vento" constarem dos "links" da sua página.

Peregrino/Zénite

Anônimo disse...

Grata, amigo querido, por TUDO! Beijo a tua alma, iluminada que estou com a TUA Luz!

Anônimo disse...

Querida Bia.
Como diz o peregrino (link aqui na caixa de comentários) num poema magnifico que eu aconselho a ler;

Deixai, pois, dormir as palavras!
Deixai-as dormir, deixai!


A nossa luz, essa coisa infinita e bela, é a que nos mantém as estrelas acesas, o resto são apenas palavras perdidas na distância do sono, apagando-se enquanto outras rompem reclamando por luz no rasgar do horizonte.
Beijo-te.

carlos

Maria disse...

Sempre nos lembramos do quanto era bom o que perdemos ou estamos prestes a perder: a Liberdade, a Esperança, a Fé (ou Confiança, para alguns), a Força, tudo o que nos moveu e já não move.
Parabéns Charlie.
Maria

líria porto disse...

lindo o teu texto, carlos - envio-te um poema sobre uma liberdade diferente... risos

liberdade
líria porto

voei conheci o céu
mergulhei no precipício
fui residente em hospício
das colméias tive o mel

fui pra guerra viajei
noutras terras eu morri
quebrei pedras pilotei
singrei mares vi delfins

liberdade liberdade
é dormir entre teus braços
enroscar-me em teus abraços
e morrer assim

*

besos
líria

ruth ministro disse...

Magnífico texto.

Vim retribuir a simpática visita à minha nuvem e acabei por me perder nas leituras...

Prometo voltar com mais tempo. Vale a pena, sem dúvida.