quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

...Sim!... Duplo, se faz favor...-

Por Charlie

 


Gostava de olhar a forma como ela distraidamente puxava a alça do vestido, primeiro com o dedo indicador, fazendo depois deslizar o polegar junto à pele. Docemente até ao interior de encontro ao rebordo do soutien, repetia o gesto devagar para depois olhar para o lado enquanto a mão de forma instintiva ajeitava o cabelo junto à orelha
O meu copo, onde umas pedras de gelo estalavam sob uma nova dose de bebida acabada de servir, pareceu-me de repente a fronteira dum intruso escondido algures por debaixo da pequena mesa desde onde espreitaria, impune através do vidro, seguro da sua invisibilidade.
- Sabes?...- disse-lhe. –Há quanto tempo desejava estes momentos. Poder sair contigo e apresentar-me ao mundo ao teu lado. Sem receios de sermos vistos e denunciados. Poder dizer: amamo-nos! Aqui estamos! Vejam, olhem para nós!... -
Um silêncio sobreveio.
- Não estás feliz? - Perguntei-lhe com um sorriso no rosto perante o silêncio que obtivera como resposta. Bebi um pouco enquanto olhava para ela que me evitava o olhar. O meu a percorrer aqueles traços de corpo que por melhor que me parecia conhecer, mais e mais me faziam despertar para a eterna descoberta.
Pela primeira vez em muito tempo, contudo, voltei a ser tomado por aquela sensação que desde que a conhecera se esfumara do meu léxico emocional.
Fiquei olhando longamente para ela, molhando os lábios, lendo as linhas do seu desconforto.
Já dobrado o cabo dos cinquenta, conhecia por demais as pessoas para me iludir fosse com o que fosse. Por muito que estivesse enebriado por ter na minha vida aquela mulher que conhecera sem saber como, - ela à beira do divórcio, - numa relação secreta sempre em crescendo que terminara com o meu casamento de décadas, o seu desviar do olhar despertou-me um incontornável sinal de alarme:
- O que se passa? Podes dizer-me?-
Pôs-me as mãos nas minhas que senti ligeiramente frias e húmidas.
- Sabes...estou para dizer-te isto há já algum tempo.
- Mas o que se passa? – adiantei, quase com um nó na garganta,
- Conheci-te, - disse ela,- numa circunstância tão especial, estava tão carente de afectos, de tal forma náufraga e necessitada duma tábua de salvação... Tu foste tudo isso para mim. Foi contigo que me reencontrei, que reabri os horizontes, que me senti novamente na senda do meu destino. Mas agora...
- Agora...!?- atalhei quase num grito a custo dominado, - Agora o quê?..., - as palavras de voz já mais contida, pesasse embora o embargo e a dificuldade em engolir.
Segurou as duas mãos de dedos unidos em frente aos olhos fechados como se repentinamente estivesse em oração. Depois baixando os braços, fixou o meu olhar e continuou:
- Sei o que te vai custar isto, mas tenho que dizer-te: não quero viver novamente num engano, nem enganar-te. A minha vida era uma prisão. Tu foste muito importante, mas apenas porque eu estava carente, com falta de autoestima, desesperada, sei lá... Mas agora... agora que volto a sentir pela primeira vez em tantos anos a leveza da liberdade... Não quero mais prisões, entendes? Antes que seja mais tarde...que doa mais, a ti e a mim...Desculpa-me se um dia puderes...-
Levantou-se e, sem mais uma palavra, retirou-se.
Fiquei olhando para o seu corpo que se afastava enquanto ajeitava as alças que horas antes eu ajudara a saltar sobre os ombros, primeiro um e depois o outro. Como tantas vezes fizera, ela em frente ao espelho, eu por trás, mestre quase invisível que lhe inventava o corpo em gestos de magia, que já nu se fundia na nudez do meu num abraço intenso a derramar-se sobre a cama onde naufragávamos, como tantas vezes fizéramos, em lábios e corpos fluindo no mar comum que era o nosso...
Bebi o copo todo de uma vez, detendo as pedras de gelo num encontro frio junto à boca enquanto os olhos fechados não conseguiram conter o calor e sal dumas patéticas lágrimas.
Pousei o copo e levantei o braço: - Faça favor, - disse quase surdamente perante o assentimento expresso no olhar e aceno de cabeça do barman.
– Traga outro...
Sim!...Duplo, se faz favor... -


2 comentários:

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