segunda-feira, 23 de julho de 2007

Carta dum recém chegado.

Olá.
Escrevo-vos para dizer que cheguei.
Mal pus os olhos na rua larga cheia de sol, de casas quase todas de um ou dois pisos, com árvores ainda pequenas ladeadas de suportes e flores e onde algumas pessoas passeavam olhando para as montras, soube que este era o meu destino final.
Respiro bem fundo os aromas deste sítio e por um instante fecho os olhos.
Quero ter bem gravado na retina esta imagem para sempre e descobri-la sempre nova ao abrir do olhar.
Estou cá já há três dias.
Desta vez não farei como das outras anteriores!
Nos diferentes lugares onde vivi, percorri os sorrisos de todas as travessas, todas as ruas e largos.
Parei nos cafés e praças.
Conheci as pessoas uma a uma.
Apaixonei-me pelas pernas e olhos das mulheres e os seus corpos em sabores de silêncio e lençóis.
Bebi com os seus pais, irmãos, maridos e namorados.
Ouvi as histórias de uns e de outros. Tomei partido pelas misérias escondidas que os separavam e enterrei todo encanto das ruas largas dos dias das descobertas nas vielas mal cheirosas, tortuosas e escuras, que me haviam escapado nesses primeiros tempos.
Saí sempre enjoado e desencantado. Embrenhado nas desavenças, desavindo com muitos que me haviam devolvido os sorrisos da chegada, e desejando nunca te-los encontrado.
Agora, desta vez, tudo será diferente; tudo será sempre o esplendor do primeiro dia!
Jamais sairei desta rua principal.
Não quero saber se é uma cidade ou vila, aldeia ou um sonho. Nem sei bem onde estou, mas não irei espreitar no mapa os limites dos seus segredos.
De todos os rostos que se cruzarem com o meu, nem um só traço irei decorar.
Darei os bons dias às senhoras e voltar-me ei para mirar-lhes as pernas sem ter fixado um só pormenor dos seus sorrisos.
Não irei entrar nos cafés a perguntar pelas novidades nem darei o meu nome a ninguém.
Desta vez serei só o sol a passear-se em brilhos pela calçada a quem ninguém faz perguntas.
Desta vez serei só eu e o meu encanto.
Desta vez bastar-me á fechar os olhos neste quarto que tomei na pensão, limpa e de esplendores nas floreiras das janelas, cujo nome fiz por nem olhar e pertencente a uma mulher linda que se chama Luisa e que é divorciada.
Tem um filho ainda menor e o seu ex-marido é um sacana que quer vender a pensão para ficar com metade do dinheiro.
Ela já falou com o advogado do escritório ao fundo da rua principal, mas de quem está desconfiada estar feito com o seu ex.
O ex acusa-a de ter um namorado, um que tem um café mesmo ao meio da rua, mas ela diz que é livre de relacionar-se com quem quiser.
Esta manhã quando ia a descer, vi uma mulher mais velha a chama-la de puta e a insultá-la de andar a querer a desgraça do filho que precisa do dinheiro da venda da pensão para refazer a vida e que ainda antes que o tribunal decida, ela mesmo lhe tratará da saúde.
Calou-se quando me viu e saiu à pressa.
Dei os bons dias e saí para a luz do dia enquanto, já na rua, ainda ouvi o miúdo a perguntar à mãe o porquê da avó andar aos gritos...