sábado, 19 de maio de 2007

Carta de despedida

Sábado, Janeiro 07, 2006

carta aqui deixada por charlie

No momento em que receberes esta carta estarei longe de ti.
Se a escrevo agora e distante dos teus olhos é pela falta de coragem de dizer-te tudo nos teus espelhos da alma.
Cara a cara, frente a frente. Sempre me acusastes de cobardia, de falta de iniciativa.
E tens razão.
Descobri que tens toda a razão.
Mas o motivo para esse eu que me julgava ser vinha de ti.
Da tua forma cerceadora e castradora da minha personalidade.
Nunca deixaste que eu fosse quem sou.
Ao pé de ti tinha de estar sempre calado. Quando chegávamos a casa, depois de me teres reprimido horas a fio, acusavas-me de ser um tristonho que não sabia dizer nada. Quando quis sair para um novo emprego fizeste-me perder toda a vontade para a entrevista que felizmente correu bem. Conseguí este novo emprego.
Longe desta cidade.
Longe de ti.
Junto a outras pessoas que me estimam.
Encontrei alguém. Uma mulher maravilhosa que me ama como sou e com quem nunca me faltou o arrojo nem para dizer que a amava, nem para encetar a aventura mais fantástica da minha vida.
Não cabem aqui mais recriminações nem acusações. Sinto-me livre como um pássaro. Livre para amar e ser amado como mereço.
Sei que encontrarás alguém à tua medida.
Para terminar devo dizer-te que não saio exclusivamente de casa por causa desta mulher que se cruzou numa encruzilhada da vida com o meu destino.
Já há meses que esta ideia vinha tomando forma e quis a providência fazer com que nos encontrássemos numa altura crucial da vida de ambos. Eu sairia de casa de qualquer maneira, desse para onde desse, mas antes assim que poderei refazer a minha vida de imediato.
Espero que sintas o mesmo alívio ao leres estas linhas que eu senti ao escreve-las.

Teu ex.
AssinadoXXXXXXXXXXXXXXXXX

Um comentário:

Anônimo disse...

Vá lá, JCTP, o amor é muito mais que ficar numa relação só quando ela é feliz. E se calhar por isto é que ela ficou, porque o amava tanto que tê-lo era preferivel em todos os cenários possíveis que não o ter de modo algum. Correcto? Pode ser que não. Falta de auto-estima? Se calhar. Mas nem só a gente perfeita ama intensamente, e ninguém diz que o amor não é um vício...
d.
A mim a metáfora ainda anda ás voltas. Pode ser que com o tempo...
dinah | Homepage | 12.01.06 - 9:49 am | #

Não. Ela não o amava. Ou talvez nem valha a pena irmos por aí. O amor é tantas vezes demasiado insensível, demasiado formal, demasiado odioso. A relação não estava bem nem para ele nem para ela. Ele escreve no final da carta: "Espero que sintas o mesmo alívio ao leres estas linhas que eu senti ao escrevê-las." Ela também não estava bem. Ele sabia isso. E como poderia ela estar bem se ele não estava? Também ela procurava outra coisa, outra pessoa. Simplesmente desejava, imaginava que ele podia tornar-se essa pessoa. Talvez ele tivesse a mesma esperança em relação a ela. “Ai, o que eu passei só por te amar, A saliva que eu gastei para te mudar, Mas esse teu mundo era mais forte do que eu.” Talvez estes versos sirvam para os dois. Ambos procuravam no outro o que o outro não era. E, sim, a relação arrastou-se. E, sim, conformaram-se. E não apenas ele. Porquê apenas ele? Ela também se manteve na relação quando era evidente que procurava outra coisa, outra pessoa. Sim. Ela procurava outra pessoa, nele. E quando ele encontrou uma pessoa que o amava como era e que via nele mais do que ele era, uma coisa leva à outra, porque o amor são trinta janelas que se abrem e uma porta que se fecha (pronto, já me reconciliei com a metáfora). Quando ele encontrou essa pessoa, ou essa pessoa o encontrou a ele, que deveria ele fazer? Dizer, desculpa, mas sou miseravelmente infeliz, e vou continuar assim, por isso esquece o que aconteceu, a nossa relação não tem futuro. E há talvez gente louca o suficiente para isto (e fica a ideia para uma outra carta). Mas ele preferiu arriscar. Já devia ter acabado a relação e ter-se atirado para o vazio. Talvez. Mas o que serve para ele, serve para ela. E esta mulher que ele encontrou. Quem é afinal? Talvez também ela tinha sido infeliz, desvalorizada, pouco amada. E se tenha atirado para o vazio, antes de o conhecer. Mais digna do que ele por isso? Talvez. Mas isso agora não importa. Ele escreveu a carta. Não enviou. Não. Não enviou. Está ali, o que dela sobra, no cinzeiro, a alimentar o lento respirar do fogo.
jctp | Homepage | 11.01.06 - 6:55 pm | #

Gravatar @ Dinah
O que eu dou por uma boa discussão.
E sabes que também tens razão?
Mas quem sabe a verdadeira intenção desta carta sou eu.
Escrevi-o na primeira carta que publiquei neste blog a qual explicitou bem que o meu objectivo era o de incomodar e despertar paixões. Principalmente o despertar. Sejam quais forem...
charlie | Homepage | 11.01.06 - 2:36 pm | #

Gravatar JCTP: se há uma coisa que me irrita, que me irrita verdadeiramente é a cobardia, esta carta pareceu-me uma carta cobarde. Porque não tenho ilusões, não partimos de um amor para outro assim sem mais nem menos. Quando encontrou a terceira pessoa há muito tempo já que a relação se arrastava, morta, levada ás costas por uma pessoa só: a insensível que não o compreendia mas pelo visto o amava o suficiente para permanecer e suportar todo o peso da relação.Isso custa-me a perceber. Como me custa imenso a perceber que alguém deixe arrastar uma relação assim por comodismo, à espera que apareça coisa melhor, calando a boquinha até ter outro poiso seguro, sem dar um salto para o vazio. Isso não é amor, nem me parece que nunca o tenha sido. Além disso acredito que se se gostou de uma pessoa, se para além de companheiros de cama foram amigos, o mínimo que merecem é a verdade, porque é preferível um corte duro e rápido que uma agonia lenta e irreversível. Pode ser que a carta seja para ele, mas é uma carta egoista: a actual e a anterior nada mais são que acessórios decartáveis porque na realidade o mais importante é ele e a sua alma sensivel e as suas necessidades de alma sensível. O que, na minha optica é uma opção de vida quase obscena... E sim, se fosse uma mulher era igualmente má. Isto não é uma questão de guerra dos sexos mas de básica decência humana...
dinah | 11.01.06 - 12:26 pm | #

Gravatar A tua carta conseguiu cumprir o seu (teu) objectivo. Parabéns!
papoilarubra | Homepage | 11.01.06 - 12:22 pm | #

Gravatar As trinta janelas são uma metáfora à euforia de entrar num ciclo novo de existência. Uma ave que de repente descobre a vertigem do espaço depois de ter estado privado do bater das suas asas, pelo exíguidade da gaiola que o limita.
charlie | 11.01.06 - 8:46 am | #

Gravatar Eu acho que leio mais amargura na carta do que tu. Não a acho feia. Ele está arrependido. Mas ele não o fez por mal. Escolheu apenas o caminho mais fácil, que afinal era o mais difícil. Ele limitou-se a aceitar e a encolher os ombros. Ele nunca a amou. E talvez ela, no fim de contas, também nunca o tenha amado. Não o vejo a saltar com tanta leveza de uma relação para outra. Não o vejo a fechar uma porta e a abrir trinta janelas. Não. Repara na forma como ele fala do seu novo amor. Ele quer um amor. Um amor só. E se possível um grande amor. Sim. É um grande amor o que ele quer, porque ele nunca o teve, nunca a teve, verdadeiramente. Há muito que eles não pertencem um ao outro. Que são estranhos um ao outro. Mas ele ficou. Encolheu os ombros. Aceitou. Deixou-se levar pela sua cobardia e pela sua falta de iniciativa, como ele lhe dizia. Ele precisava de alguém que o puxasse para cima. Que o fizesse acreditar que, mesmo que ele fosse um pouco como ela dizia, isso não era uma fatalidade. Que lhe desse esperança. Que o ensinasse a viver. E a gostar de si próprio. Foi isso que ele encontrou no novo amor. Encontrou-se a si próprio. Encontrou quem gostasse que ele gostasse de si próprio. Sim. Acho que foi isso.
jctp | Homepage | 11.01.06 - 1:35 am | #

Gravatar @ JCTP

Exactamente!
A carta é mesmo isso.
Uma carta onde ele se despede antes de mais dele mesmo. Dum outro eu que ele não mais quer ser.
Lembra-te que ele deseja que ela encontre alguem á sua medida...
Despede-se desejando á sua parceira até esse momento, que sinta o mesmo alívio que ele sente.
Deseja-lhe bem. Que refaça a vida.
As separações são quase sempre alivios para ambos.
Não se deve prolongar algo que já deu.
A vida continua e para cada porta que se fecha abrem-se trinta janelas.
No entanto mantenho que é uma carta feia. Tem uma carga desagradável, muito embora deixe no ar a esperança que há no eterno recomeçar.
charlie | 11.01.06 - 12:29 am | #

Gravatar Acho que a dinah exagera. Ele precisou de escrever esta carta. Só isso. Se calhar nem a enviou. Não. Tenho a certeza que não a enviou. precisava apenas de a escrever. E de a ler. E de saber. Se fosse uma mulher a assinar esta carta ela pareceria menos má? Mas ela nem é má. Foi só uma necessidade. Ele escreveu para ele, não para ela. Porque não hão-de os homens escrever também cartas assim? E, no fim de contas, a carta nem é contra ela, é contra ele. Ele escreve para si próprio. E não nos iludamos com a forma como termina a carta: "Teu ex.", não se refere a ela. Ele é que é o ex dele próprio. O que foi e não quer voltar a ser.
jctp | Homepage | 10.01.06 - 10:23 pm | #

Gravatar Carta sem destinatário

Aqui, sem ti, sei o que é a solidão. Mas não te vou dizer o que é, para não te entristecer. Quero que sorrias, para que continue a haver claridade nos dias que discorrem. Quero que continues a olhar para o devir, pois se não o fizeres não valerá a pena olhar à noite as estrelas a brilhar no breu lácteo. E, neste momento, quero que o Inverno não termine nunca. Aqui faz muito frio, mas não importa, o frio é tão leve que se pudesses ler esta carta nem sentirias o desabrigo da noite gelada. Fecho os olhos e esqueço a Lua mentirosa que surge na janela, sussurrando que não existes. Se fechar os olhos, quem existe és tu e não a Lua. Aqui, sem ti, invento o aqui contigo. Escrevo-te.

Espero pelo teu regresso

D.

[para o pessoal do Blog das Cartas]
Katraponga | Homepage | 10.01.06 - 10:18 pm | #

Gravatar @ dinah

Como disse desde o princípio, amiga, entrei neste blog com o único propósito de incomodar.
Como dizia o Poeta, desassossegar.
Esta carta é uma carta feia. Com a intenção de ser feia.
Todos os comentários que lhes foram feitos foram também nesse sentido.
Uma carta desagradável, cobarde.
Foi essa a intenção.
O mundo é feito também de coisas feias." ....Se uma bomba nuclear tem a sua beleza, gente feia também a tem...."
Prometo mais cartas. Umas mais belas, outras iguais a esta.
Obrigado pelo forte comentário.
Não serve de consolo, mas há gente assim, que escreve cartas destas.
charlie | 10.01.06 - 4:55 pm | #

Gravatar coitadinho, que mártir. E ter logo encontrado assim, uma mulher maravilhosa, uma alma que o compreende... Sim, porque os casos que os homens têm são todos culpa das mulheres que não compreendem os seres sensíveis que têm em casa... As almas líricas... ocupadas demais em gerir a casa e a família, a serem as más para os filhos, a manterem-se jovens elegantes e desejáveis, ocupadas demais para parar de castrar as asas ao lirismo do companheiro... uma verdadeira tragédia. Será que ela não merecerá ao menos o respeito de não ver uma carta destas da net? Nem isso escapou, o respeito suficiente e a grandeza de espírito para não esfregar a nossa felicidade na cara da infelicidade alheia? Realmente, desta carta gostei apenas do ponto final.
dinah | Homepage | 10.01.06 - 3:57 pm | #

Gravatar Por vezes digo coisas destas, gritando... a quem, seria aqui impossível dizer...
Mas não consigo calar-me...

toda a castração de alguém é terrível...
Bj
Raquel V. | Homepage | 09.01.06 - 8:39 am | #

Gravatar Olá...gostei muito do seu blog, qdo tiver um tempinho dá uma passadinha no meu...ótima semana pra vc...beijosssssss
Esther | Homepage | 09.01.06 - 1:16 am | #

Gravatar Se esse alívio fosse genuíno, nem o mencionava, pois não?

Bonita carta, entretanto.
Fly Away | 08.01.06 - 8:13 pm | #

Gravatar sobriamente belo..bj e voltarei pois adorei as cartas
indie girl | Homepage | 08.01.06 - 4:00 pm | #

Gravatar Penso que o melhor destas cartas é mesmo o ponto final.
masturbatrix | Homepage | 08.01.06 - 12:49 pm | #